O repórter tira onda de Andréia Horta — cabelinho de Elis, risada de Elis. Como faria a própria Pimentinha, ela reage, na lata — “Tá me estranhando? Sempre ri assim, não é Elis, não.” Mas o cabelo, ela reconhece, foi muito importante para incorporar a personagem. “Deixei para cortar uma semana antes (da filmagem). Foi uma sensação muito forte.” Hoje, mantém por praticidade. As duas, Andréia e Laila Garin, tiveram o mesmo preparador, Felipe Habib. Uma fez a sua Elis no palco, a outra, no cinema. Se há uma coisa que o cinema brasileiro da ‘Retomada’ aprendeu foi a fazer biografias. Têm sido muitas, nas últimas duas décadas — Cazuza, Meu Nome Não É Johnny, Tim Maia, etc. Elis, que estreia hoje nos cinemas, é das melhores.

Talvez não venha a ser uma unanimidade. O diretor Hugo Prata escolhe seu recorte. Ele chega a cometer o que, para alguns, é sacrilégio. Omite Tom Jobim, e  disco Elis & Tom é dos maiores das história da MPB. Em Gramado, Prata foi sucinto, ao explicar o fato na coletiva do filme — “Teria de abrir toda uma nova seção para abrigar as músicas. O filme ia ficar mais longo. E pior — seria um apêndice. Não ia encaixar com o resto.” E ele esclarece. “É o meu recorte Nem me passa pela cabeça achar que esgotei a Elis. Outros que façam seus recortes.”

Andréia está presente o tempo todo como Elis. Como foi sua preparação? “Uma diferença fundamental em relação à preparação da Laila é que ela cantava (no palco), e eu não.” Quer dizer, a voz na trilha é a de Elis, mas Andréia entrega a interpretação. “Tive de aprender a cantar exatamente como ela. A respirar como ela, a dividir as frases, a soltar a voz.” Andréia só não solta a sua voz, mas a preparação foi muito forte, muito intensa. “Essa coisa da divisão da Elis é muito f…, porque ela era perfeita”, avalia Laila. “Antes eu me angustiava. O que as pessoas vão pensar de mim, da minha Elis?” Terminei me dando conta de que era o que podia oferecer. A minha interpretação. E quando isso ocorreu, passei a me sentir mais livre.”

“O importante foi essa conscientização. Somos artistas fazendo nosso oferecimento para uma grande artista”, diz Andréia. Quanto a não cantar… “Ao contrário do musical, ninguém vai ver o filme me esperando ver cantar. As pessoas querem a voz da Elis. Eu canto todas as músicas, mas a voz é a dela. Por um lado é bom, porque duvido que alguém pudesse chegar perto da técnica vocal de Elis. Era única.” E Laila. “Eu não tinha a obrigação de imitar Elis, mas era importante que o público identificasse na minha Elis a que está no imaginário das pessoas.” A conversa volta ao começo, ao texto de capa. Sonhar com Elis. “Eu não sonhava porque nem dormia. No começo do processo tinha insônia. Foi um processo muito duro, porque, embora você esteja sempre cercada de gente, ele é muito solitário. Elis é objeto de um amor muito profundo, e ao mesmo tempo é sempre uma coisa íntima. Cada um ama do seu jeito, cria do seu jeito. Essa é a grandeza da arte”, diz Laila.

Elis morreu em 1983, aos 36 anos. Andréia nasceu em 1982. Tinha um ano quando isso ocorreu. “Li a biografia da Elis quando tinha 19 anos e fiquei fascinada. Tudo nela era muito forte. O temperamento, a forma como cantava. Fiquei louca. Naquela época estudava artes cênicas e nem me passava pela cabeça que um dia iria interpretá-la.” É curioso que justamente nesta quinta, 17, em que Andréia e Laila foram fotografadas juntas no Beco das Garrafas, no Rio, o assunto Luís Carlos Miele tenha vindo à tona “Como disse a Laila, o trabalho da gente é muito solitário, mas como ela encontrei pessoas que foram fundamentais. O Miele. Tive um encontro com ele que foi decisivo. Começamos a conversar às 5 da tarde e entramos pela noite, pela madrugada. Bebemos muito uísque, conversamos, cantamos, choramos, rimos. No final, eu sabia muito mais sobre Elis, a que ele conheceu e compartilhou comigo.”

Outro encontro mágico de Andréia foi com Nelson Motta. “O Nelson foi amigo, produtor. Era louco por ela. Fui descobrindo a Elis sedutora, por quem os homens se apaixonavam.” Numa coisa, Andréia e Laila estão absolutamente de acordo. “Elis é uma figura muito documentada. Não são só os livros. É só dar um Google e você encontra horas de entrevistas dela. Elis falando, cantando. É tanta informação que você se arrisca a ficar paralisada. Por isso o recorte é importante. O texto (do espetáculo musical) me deu o norte”, conta Laila. As duas intérpretes de Elis avaliam que a coragem foi o maior legado dela que ficou. “Sou frágil, mas do tipo que pega a vida no colo e assume suas rédeas. Gosto de mulheres fortes, como a Elis, mas a cada trabalho preciso relaxar, ficar na minha. Não dá para ficar sobrecarregando o emocional”, diz Andréia. E Laila. “Fiz a Medeia de Gota d’Água, com aquelas letras do Chico. Acho um privilégio me impregnar dessas mulheres fortes. São faróis que iluminam o palco, e refletem na vida da gente.”

Andréia percorreu um longo caminho até Elis. “Comecei a conversar sobre o filme com o Hugo (o diretor Hugo Prata) em 2012. Ia tocando minha vida, minhas coisas, à espera da liberação das verbas para filmar. Fiz um teste para um novela do Manoel Carlos, A Regra do Jogo. Fui aprovada. Estava feliz da vida e aí o Hugo me disse que a grana estava sendo liberada e íamos filmar. O ideal, para mim, era fazer a Elis depois, mas isso representava um ano. Ele insistiu. Vamos fazer em dois meses e meio. Me deu duas semanas e meia para me preparar. Bicho, não dava. Com o coração despedaçado, disse pra ele que estava desistindo. Voltei para a novela e aí a Globo colocou o Alexandre Nero como meu par romântico. Eu tinha sido filha dele numa novela anterior. Seria demais na cabeça do público. Fui dispensada.

Liguei pro Hugo, que estava fazendo testes com um monte de atrizes. Achei que tinha perdido minha chance, mas… Voltei pra Elis.” O que é do homem, o bicho não come. “É impressionante quando as coisas têm de acontecer”, diz Laila. E as duas riem. Um riso de Elis.