GABRIELA SÁ PESSOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ferreira Gullar deixou “tanta coisa” a Fagner -quem foi amigo e parceiro em canções como “Traduzir-se”, “Me Leve” e, a mais famosa delas, “Borbulhas de Amor”. Uma série de poemas, para o compositor cearense ainda musicar. E uma biografia de resistência que “deixou um Brasil de esperança”, disse o músico à reportagem, por telefone.
Um dos grandes poetas de sua geração, Gullar morreu neste domingo (4), aos 86 anos, em decorrência de uma pneumonia. O funeral acontece na noite deste domingo na Biblioteca Nacional, no Rio.
“Ele morre em um dia simbólico, com manifestações e lutas. Ele lutou muito pelo Brasil, em todas as situações. Resistiu a tudo. Ficou anos exilado; anos acreditando em partido, e anos desenganado. Deixa uma semente de resistência para um país que está no chão.”
“Isso sem falar no grande poeta, que ainda persegui há duas semanas”, conta Fagner.
O compositor prepara um álbum de inéditas para 2017 com importantes parceiros de sua carreira, como Clodo (de “Revelação”) e Chico César. Insistiu que Gullar lhe fizesse uma nova letra, “ligava à noite, ficava com medo de incomodá-lo”.
“Há um mês, fui ao estúdio perto da casa dele. Pensei: vou descer, bater na porta dele. E não bati. Na volta, terminei não indo. Mas em meu último telefonema, nessa época, ele disse que mesmo cansado, faria a música.”
Introduzido a Gullar por Vinicius de Moraes (“vou te apresentar ao Ferreira Gullar, o maior poeta brasileiro”, lhe disse o “poetinha”), Fagner afirma sempre ter visto no maranhense uma “referência maior, pelo modo como ele trata as palavras”.
As afinidades começaram nos anos 1970, a princípio por ambos serem nordestinos. “Nos atracamos. Eu estava diante de uma lenda.”
“Ele foi incrível comigo. Era um poeta de linguagem mais difícil, mas nas músicas sintetizava [as emoções] como poucos”, diz Fagner. Em 1981, elevou o poema “Traduzir-se”, de Gullar, a canção-título de um de seus álbuns mais emblemáticos.
Não deu tempo de o poeta finalizar a letra de uma nova canção para Fagner. O compositor, ainda assim, planeja incluir uma homenagem ao parceiro no futuro disco: ou musicando um dos cinco poemas que lhe deixou, ou compondo a partir de algum texto recente de Gullar.