As ideologias políticas vêm, a partir da queda do muro de Berlim, sofrendo de crise existencial gradualista. Conglomerados partidários à esquerda e à direita se multiplicam em autêntico carnaval de siglas, levando o multipartidarismo à exaustão. A identificação partidária não frequenta nas disputas eleitorais as aspirações dos eleitores. As alianças estratégicas não se marcam pela coerência, mas simplesmente pelo desejo de conquistar o poder. Nele praticando o axioma que marcou o II Império brasileiro: Nada mais conservador que um liberal no poder. Nada mais liberal do que um conservador na oposição. Com isso a despolitização da política, com agravantes na sociedade pela desconfiança na atividade pública, passou a ser acontecimento com grande normalidade.
No recente congresso, realizado em Caxambu (MG), pela Associação Nacional de Ciências Sociais, a posição ideológica dos três principais partidos (PMDB, PSDB e PT), mereceu destaque. Os sociólogos Fabiano Santos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo e o pesquisador Leonardo Martins Barbosa, com pontos de vistas diferentes, retrataram a crise dos partidos e os governos de coalisão. O PMDB seria um partido oligárquico e representaria o Brasil arcaico. O PSDB representaria um modelo capitalista menos inclusivo e mais pró-mercado. Já o PT, egresso do mundo do trabalho, estaria vinculado ao conservadorismo por conta da base vinculada à Igreja católica e ao corporativismo sindical. Os demais partidos seriam meras forças auxiliares participantes dos governos de coalisão.
Na mesma época em que se realizava o encontro dos cientistas sociais, em Porto Alegre, o senador Romero Jucá, presidente do PMDB, defendia ampla consulta aos diretórios estaduais do partido. Afirmando: Queremos deixar de ser partido para ser um movimento. Ou seja, algo mais forte, com uma ação constante. Voltar a ser MDB resgata uma tradição, uma história, uma origem, que é muito importante para o povo brasileiro. Se o MDB antigo fez a redemocratização do país, o MDB novo pode fazer a reconstrução econômica do país. São palavras delirantes e oportunistas de uma figura que não conheceu a luta do MDB. Na época, servia aos governos biônicos de Moura Cavalcante e Marco Maciel, em Pernambuco. Posteriormente ao governo eleito de Roberto Magalhães. Desembarca em Brasília servindo ao senador Marco Maciel, no governo Sarney, de onde foi guindado a FUNAI e posteriormente com a aprovação pela Constituinte do Território Federal de Roraima em Estado, nomeado interventor no período de transição.
Se no vizinho Amapá, também transformado em Estado, José Sarney instalaria uma Capitania hereditária, elegendo-se senador, em Roraima, o mesmo ocorreria com a família de Romero Jucá. Infelizmente a infecção hospitalar que impediu Tancredo Neves de implantar a Nova República, deu lugar a uma Nova República Oligárquica, onde o PMDB foi desfigurado pelo assalto dos velhos serviçais do autoritarismo e oportunistas em que Romero Jucá é um dos exemplos. Como bem disse o ex-senador gaúcho Pedro Simon: Ainda bem que Ulysses não está aqui para ver o que fizeram com o legado dele.
O MDB foi uma frente política que agregou todos aqueles que resistiam ao Estado autoritário. Ulysses Guimarães, na sua presidência, repetia sentença de D.Quixote: Construí uma muralha entre meus apetites e minha honestidade. Exemplificando o que deve ser o dever de um homem público: Não fazer negócios enquanto mandatário popular; não avalizar títulos; não participar de empresas, nem mesmo em conselhos fiscais; não intermediar operações com repartições ou entre empresas; não ter prepostos no controle de órgãos da burocracia e não ser preposto de nenhum interesse. A vida e o pensamento Ulysses é a negação de tudo aquilo que é o PMDB hoje. Foi exatamente por isso que em 1991 ele foi destituído, numa aliança oportunista que congregava dos anões do orçamento aos negociantes da política, da presidência do partido. Colocaram na sua presidência Orestes Quércia, passando a ser escrita uma nova história da legenda que se estende aos dias atuais. Foi o golpe final do espírito ainda existente do velho MDB.
Hoje o PMDB é uma federação regional onde o patrimonialismo e interesses oligárquicos prevalecem. Cabem nos dedos da mão os diretórios regionais que ainda mantém o espírito de resistência, perseguindo um ideário político ético. Essa ínfima minoria é fiel ao espírito do MDB. Ao contrário do PMDB majoritário do Sarney, Renan, Temer e Jucá. O cotidiano da realidade política identificada na opinião pública sabe: MDB é história da redemocratização; PMDB é o retrato de um Brasil arcaico que precisa ser enterrado.

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991)