SÓ PODE SER PUBLICADO COM ASSINATURA CLÓVIS ROSSI, ENVIADO ESPECIAL DAVOS, SUÍÇA (FOLHAPRESS) – O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, descarta firmemente a hipótese de que o vazio no negócio do narcotráfico deixado pelo acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) possa ter alguma relação com as guerras de gangues nos presídios brasileiros. “As Farc são um grupo muito disciplinado e só uma porcentagem muito pequena delas decidiu continuar no narcotráfico”, afirma Santos.

No entanto, admite uma hipótese alternativa: as Farc talvez tenham avisado aos seus interlocutores no narcotráfico brasileiro que estavam se retirando do negócio e que, portanto, caberia a eles assumir.

As Farc sempre negaram que fizessem tráfico de drogas, embora admitissem que cobravam proteção dos traficantes, um dos meios pelos quais se sustentavam durante o quase meio século em que estiveram em guerra contra o Estado colombiano.

O acordo de paz recentemente alcançado pode pôr fim a essa guerra, mas não ao tráfico de drogas. Santos lembrou nesta quinta (19), em conversa informal com um pequeno grupo de jornalistas que cobrem o Fórum de Davos, que, nos últimos 30 anos, a Colômbia foi o primeiro exportador mundial de cocaína.

Lembrou também que o país conseguiu desmantelar cartéis como os de Cali e de Medellin (este último alçado à fama internacional pelo filme “Narcos”, estrelado pelo brasileiro Wagner Moura, no papel de Pablo Escobar). Depois de tudo isso, no entanto, “ainda somos o maior exportador de cocaína”, lamenta Santos, com um broche na forma de pomba da paz na lapela, presente da filha, que ele promete levar sempre até o fim do mandato.

Compara o presidente: “É como se estivéssemos 40 anos pedalando em uma bicicleta ergométrica” (dessas que não saem do lugar). Por isso mesmo, defende “uma mudança na maneira como enfrentamos a questão da droga”. Santos acha que o acordo de paz na Colômbia é “a grande oportunidade” para introduzir essa mudança. Antes de mais nada porque o modelo atual prevê afastar militarmente os camponeses do cultivo e a erradicação das plantas de coca.

No entanto, durante a guerra, os militares eram recebidos à bala ou tinham que evitar as minas, em um país que só tem menos minas do que o Afeganistão. Agora, com a paz, teoricamente é possível convencer os agricultores a substituir os cultivos de coca por plantações legais.

O problema, no entanto, está também ou principalmente do lado da demanda: segundo o presidente, há mais prisioneiros nos Estados Unidos por questões envolvendo a droga do que todo o conjunto da população carcerária europeia. Conclusão inescapável: saem as Farc, permanecem as máfias. “Enquanto houver demanda [pela droga], a máfia estará presente”, diz o presidente. Uma observação que vale para os Estados Unidos, para a Colômbia e também para o Brasil. Afinal, como lembra Santos, o Brasil já é um grande consumidor, não apenas país de trânsito.