RUBENS VALENTE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Avesso a manifestações fora dos processos, o ministro Teori Zavascki surpreendeu no dia 19 de dezembro ao parar para uma conversa com jornalistas que o aguardavam atrás de uma faixa de isolamento nos fundos do plenário do STF.
Tranquilo e afável, não se incomodou quando os jornalistas ergueram seus telefones celulares para registrar a entrevista em vídeo. Ele estava interessado em explicar que as férias forenses, que começavam naquele dia, não impediriam o início da análise das 77 delações de executivos da construtora Odebrecht. São suas últimas declarações públicas no tribunal antes do acidente desta quinta-feira (19), ocorrido exatamente um mês depois.
“Eu já falei isso no plenário uma vez: eu tenho em torno de cem inquéritos sobre matéria penal no meu gabinete. Eu não tenho nada atrasado. Nessa fase de investigação depende muito de mais do Ministério Público e da polícia do que do juízo. Claro que eu tenho um volume grande de trabalho, especialmente quando vêm denúncias, pedidos etc. Mas meu trabalho está em dia.”
Segundo autoridades que tiveram contato com o gabinete do ministro em dezembro, Teori parecia especialmente incomodado com as críticas de que a Lava Jato andava mais lenta no Supremo em comparação com a vara federal do juiz Sérgio Moro de Curitiba (PR).
Enquanto Moro gastava poucos dias para, por exemplo, acolher uma denúncia, Teori levou seis meses para apresentar seu voto pelo qual aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Foram poucas as vezes em que o ministro aceitou conversar com grupos de jornalistas sobre a Lava Jato desde que, no primeiro semestre de 2014, tornou-se o relator dos inquéritos e ações penais da Lava Jato no tribunal.
Detentor de segredos que poderiam e ainda podem abalar a República, também em poucas ocasiões Teori deixou transparecer uma opinião subjetiva sobre o tamanho do escândalo desvendado pelas investigações.
Em julho de 2015, como informou a colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo, ele disse a magistrados que estava impressionado com a quantidade de informações que os investigadores vinham descobrindo: “Puxam uma pena, vem uma galinha”.
Apesar da discrição, a condução de Teori dos casos da Lava Jato foi marcada por duas decisões que causaram ondas de impacto no país e contrastaram com a imagem de magistrado comedido. Em novembro de 2015, ele determinou a prisão do então poderoso líder do governo Dilma Rousseff no Senado, Delcídio do Amaral (ex-PT-MS). Seis meses depois, ordenou o afastamento de Eduardo Cunha do mandato de deputado federal e, por consequência, da presidência da Câmara dos Deputados.
Essas duas decisões, contestadas por advogados e no meio político, que as viram como interferências indevidas do Judiciário no Poder Legislativo, ajudaram a consolidar a imagem de Teori de um magistrado inflexível, que não cederia a eventuais pressões políticas.
Ironicamente, o mesmo Teori quase pôs a perder toda a Lava Jato, ou pelo menos boa parte dela. Foi um momento chave da investigação, que poderia tê-la encerrado ainda no nascimento.
Em maio de 2014, dois meses após a deflagração da operação em Curitiba (PR), Teori acolheu um pedido do ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e mandou libertar os 12 primeiros presos do caso, incluindo o doleiro Alberto Youssef. Até então, nenhum deles havia fechado um acordo de delação premiada.
Porém, num gesto ousado e aparentemente inútil, Moro resolveu pedir “esclarecimentos” de Teori antes de soltar os presos. O juiz alegou, em ofício, que alguns dos presos haviam lavado dinheiro do narcotráfico.
Segundo o jornalista Vladimir Netto registrou em seu livro “Lava Jato” (Ed. Sextante, 2016), que entrevistou Moro, o próprio juiz acreditava que seu gesto era causa perdida, pois “é muito difícil um ministro do Supremo voltar atrás”. Pois Teori demonstrou um traço de humildade incomum entre ministros do Supremo, reconsiderou a primeira decisão e pediu que Moro não soltasse mais os investigados. Na sequência, Youssef e Costa, este mesmo em liberdade, se tornaram delatores e abriram as portas para a compreensão de toda a trama.
Nesta quinta-feira (19), Moro escreveu em sua nota de condolências para a família de Teori: “Sem ele, não teria havido a Operação Lava Jato”.
O episódio de maio de 2014 não foi a única vez em que o ministro e o juiz federal tiveram divergências. A mais séria ocorreu em 2016, quando o ministro mandou anular a gravação de uma conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal com ordem de Moro entre Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que havia sido tornada pública, em março, por decisão do juiz. Teori entendeu que Moro havia avançado o sinal, ao decidir sobre tema coberto pelo foro privilegiado, sob responsabilidade do ministro.
Teori escreveu que a decisão estava “juridicamente comprometida, não só em razão da usurpação de competência, mas também, de maneira ainda mais clara, pelo levantamento de sigilo das conversações telefônicas interceptadas, mantidas inclusive com a ora reclamante [Dilma] e com outras autoridades com prerrogativa de foro”. Teori também chamou de “precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada” a decisão de Moro de validar as interceptações “colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial”.
Em março, logo depois que a conversa telefônica veio à tona, Moro pediu a Teori, por escrito, “escusas” e reconheceu que pode ter “se equivocado em seu entendimento jurídico”.
No tema da transparência dos inquéritos e ações penais da Lava Jato, Teori teve momentos de altos e baixos. Ao contrário de muitos ministros, que tratam os inquéritos sob seu comando com extremo sigilo até o final, Teori permitiu, em determinado momento de cada caso, a abertura de documentos de investigações, inclusive íntegras de declarações prestadas em delações premiadas, para consulta livre na internet, desde que os interessados se cadastrassem no Supremo.
Não há uma regra comum no tribunal, e cada ministro trata o tema de uma maneira diferente. Teori optou pela transparência na maioria das vezes.
Por outro lado, o ministro também determinou que alguns inquéritos prosseguissem em sigilo absoluto. Os ministros não precisam justificar por que decidem manter um determinado caso em segredo, mas aparentemente Teori optou assim nos casos que contêm detalhes resultantes das quebras de sigilo bancário e fiscal. Teori levou consigo esses e outros segredos do maior escândalo de corrupção desvendado no país.