O filosofo francês Michel de Montaigne disse que a arte de comer bem não é uma arte qualquer. Brillat Savarin, grande chef e expert em gastronomia, dizia que a descoberta de um novo prato contribui mais para a felicidade humana do que a descoberta de uma estrela. Em Portugal, comer é importante. Não apenas comer, mas comer bem e falar acerca disso. Mostrando amor a um dos grandes prazeres da vida.

Dá para viajar gostosamente pelo país que é nosso avozinho, e colecionar experiências que depois se transformam em saudades, sentimentos lusitanos que devemos cultivar. E haja bacalhau, açordas, arroz doce, fatias douradas inesquecíveis.

Fotos: Dayse Regina Ferreira

Nada como a boa mesa portuguesa, temperando uma viagem pela Europa

Com uma superfície de apenas 92 000 quilômetros quadrados, Portugal é um mar de diversidade e de características. Tanto no clima, como na geografia e no povo. Consequentemente, na alimentação e na arte popular, mostrando as marcas deixadas pelos muitos povos que habitaram o território durante séculos e séculos, antes de sonhar com uma nação chamada Portugal. Raças diferentes foram sendo misturadas, mas os genes determinam traços que dificilmente serão eliminados e que não desaparecem nunca.

A terra as vezes montanhosa, é plana do outro lado e será mais ou menos fértil conforma o regime de chuvas, de frio, de sol. É a terra que molda as pessoas e define tudo o mais. As cidades e as pequenas vilas serão austeras ou coloridas, a culinária será rústica ou sofisticada, mais autêntica ou já marcada por influências externas.


Mesmo quem não gosta de doces, não vai poder resistir às frutas cultivadas em Portugal

País independente desde 1143, Portugal tem tradições culinárias baseadas em pratos que já existiam há séculos atrás. Pena que o terremoto de 1755 tenha destruído vidas e o vasto tesouro de manuscritos e livros sobre todos os assuntos, incluindo a gastronomia. Mas foi encontrada na biblioteca de Nápoles, na Itália, uma coleção de documentos portugueses do século XVI, contendo até cadernos de receitas e conselhos domésticos que pertenceram à princesa D. Maria (1538 – 1577) que, depois do casamentos com o duque de Parma, levou consigo a biblioteca pessoal para terras italianas. Só para lembrar: os apontamentos da princesa eram, por sua vez, cópias de documentos muito mais antigos.

Muitas das receitas incluem cravo da Índia e canela, especiarias populares até antes dos Descobrimentos, que chegavam à Europa por via terrestre. Seu preço alto limitava o uso apenas às casas dos ricos. Por outro lado, as crônicas antigas revelam hábitos alimentares do povo e também os da nobreza. O pão era elemento importante e o mais apreciado, feito de trigo. Quem não era tão rico, comia broa (borona), já mencionada em documentos do século XIII, feita com painço (milho miúdo), já que o milho propriamente dito foi introduzido na Europa apenas no final do século XV, vindo da América do Sul.


É só uma portinha: mas é ponto de encontro dos lisboetas e turistas, como a ginjinha tradicional

O clima suave, ameno, o litoral fértil em peixe, os vales abrigados e pouco profundos garantem Portugal como o país do azeite e dos vinhos. E fez inveja até aos Romanos. A partir do século VIII, sob o domínio dos Mouros e graças ao sistema de regas introduzido por eles, foram sendo desenvolvidos pomares e plantações.

No início do século XV os Portugueses constroem a primeira caravela e partem para a descoberta da ilha da Madeira, dos Açores, do Brasil. Em 1448 Vasco da Gama descobre o caminho marítimo que levaria os Portugueses aos tesouros das especiarias do Extremo Oriente, introduzindo na Europa os coentros, pimentas, gengibre, curry, açafrão, páprica. Serão os primeitos europeus a chegar até as Molucas, à China, ao Japão e à Etiópia, divulgando o uso do arroz e do chá, e o café e amendoim da África, o abacaxi, pimetão, tomate e batatas do Novo Mundo.


Museu do Presunto, uma boa opção para comer bem em Lisboa

A costa atlântica orienta a gastronomia portuguesa para os produtos do mar, mas sem esquecer do Caldo Verde originado no Minho, o cozido à portuguesa, transformado em prato nacional e, é claro, a caldeirada, uma profusão de sabores de diferentes peixes. O bacalhau tem lugar especial, preparado em mais de cem maneiras e temperos diversos. E há os mexilhões ou ameijoas à moda do Algarve, feitos na cataplana com toucinho, chouriço e ervas aromáticas. Da água doce saem a lampreia e o salmão do Minho, a truta da Serra da Estrela ou o sável do Tejo e do Douro.

Carnes, aves, caça são preparadas de maneiras variadas e sempre saborosas A começar pelo bife grelhado — o bife à portuguesa –, o carneiro, o cabrito ou borrego guisado à jardineira ou marinado com ervas e assado no forno. O porco alimentado com bolotas e trufas brancas junto de sobreiros do Alentejo garantem, uma vez mais, o sucesso da cozinha de Portugal. Como a carne de porco à alkentejana, cortada em pedaço e marinada com pimentão, acompanhados de ameijoas. Ou o leitão de forno, assado e dourado. Presuntos, paios e salpicões estão sempre nas mesas e as tripas à moda do Porto deliciam quem gosta de temperos fortes, no prato que combina tripas de vitela, frango, chouriço, presunto, feijão, linguiça, cebola, ervas e especiarias.


Minúsculos restaurantes, como o Caniço onde sempre reinou dona Idalina, servem pratos tradicionais, como sardinha assada e açorda de camarão. Inesquecível

Perus, patos, perdizes destacam cada região, nos pratos tradicionais. Os queijos marcam paladares. O mais famoso é o queijo da Serra, feito com leite de ovelha na Serra da Estrela, ponto mais elevado de Portugal. Os queijinhos de Azeitão são servidos principalmente na Primavera. O Serpa, cremoso e amanteigado quando fresco, tem sabor mais acentuado quando fica curado durante um ou dois anos. O cabreiro, queijo de cabra ou queijo da Ilha, é a fama dos Açores e, como o Parmesão, pode ser utilizado na culinária.

Na hora da sobremesa, ovos e açúcar fazem fantasias e os Portugueses são gulosos: há mais de 200 variedades de bolos. Um gosto que se deve aos Mouros e, no século XV, à cana de açúcar cultivada na Madeira. Nos séculos XVII e XVIII, os conventos de Portugal se tornam famosos pela fabricação de doces, como o Toucinho do Céu, as Barrigas de Freira, tudo baseado em ovos e açúcar. Os ovos moles de Aveiro , polvilhados com canela, são servidos no prato. Ou servem de recheio para bolos, combinados com nozes ou amêndoas torradas. Há uma infinidade de pão-de-ló, palha de Abrantes (fios de ovos dourados) ou os inesquecíveis pastéis de nata de Belém. No Algarve os doces têm como base o marzipan e em Évora a massa de amêndoa recheada com doce de gila e ovos moles. Os que preferem frutas ficam com o melão, as uvas, o ananás dos Açores, a laranja doce do Algarve. E há ainda as bananas perfumadas, as mangas, os maracujás.


Pastéis de nata de Belém, o endereço mais procurado da capital portuguesa

Portugal é terra dos bons vinhos, com mais de cem variedades diferentes, desde o simples vinho de mesa aos vinhos de cepa. Além dos incomparáveis Porto e Madeira. O Porto tem graduação de 19º a 22º e é sujeito a rigorosas leis de produção e classificação segundo a casta, o teor de açúcar, a quantidade de álcool adicionado, a idade e o tipo de madeira utilizada nos barris. Pode ser tinto, tinto-aloirado (rubi), aloirado (tawny), que é um vinho mais velho, misturando diferentes castas, meio-seco ou(light tawny) tem côr de ouro velho e é a última etapa do envelhecimento em barris, ponto alto em termos de qualidade. Bastante raro.

Os vinhos do Porto são geralmente servidos com a sobremesa. Mas há uma variedade de brancos secos e extra secos, servidos como aperitivo. O Madeira , vinho doce e aveludado, pode ser o Sercial, seco e leve; o meio seco e aromático Verdelho ou o meio seco e encorpado Boal, com sabor frutado, pode ser servido como aperitivo ou durante a sobremesa.


Fique hospedado em um castelo ou mosteiro, experimente todas as receitas seculares da região, beba os melhores vinhos: é Portugal para grandes descobertas

O vinho verde, branco ou tinto, tem baixo teor alcoólico, é ligeiramente açucarado, leve, com gás natural e refrescante. O branco acompanha mariscos e pratos de peixe. Os vinhos do Douro, brancos e tintos, sabem a fruta. Os tintos são servidos com caça, aves e queijos. Dão, brancos e tintos, são aveludados. Tintos acompanham carnes condimentadas e queijos da região. Os brancos, leves, combinam com peixes e crustáceos. No Alentejo os vinhos mais famosos são os Borba, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Vidigueira, Cuba e Alvito. A produção do vinho branco é mais importante do que a do vinho tinto. São os melhores complementos para a gastronomia saborosa da região. Vinhos da Bairrada tintos são encorpados, aromáticos e acompanham caça, carnes grelhadas e queijos regionais. Os brancos são aromáticos e finos. Colares produz vinhos brancos e tintos para servir com caça e carnes vermelhas. Os brancos, servidos gelados, ficam bem junto de peixes e queijos. Bucelas produz vinhos brancos, leves e secos, depois do envelhecimento que os torna levemente gaseificados. Bons com mariscos e peixes pouco condimentados. Setúbal faz os melhores vinhos moscatel, generosos, doce e que, quando envelhecidos ficam ainda mais apreciados. Para acompanhar sobremesas. O Algarve tem vinhos tintos e brancos, leves, frutados e pouco encorpados. Acompanham carnes grelhados e bacalhau. Os brancos licorosos – Lagoa – muito secos, são apreciados como aperitivos. No final da refeição a aguardente de bagaceira – bagaço –tem sabor intenso. Licores de frutos, como a amarguinha (feito com amêndoa amarga). Os bons vinhos recebem no engarrafamento rolhas de cortiça, produzidas em Portugal, país que é responsável por dois terços da produção mundial da rica matéria prima.

Organizando o roteiro: Costa Verde tem como símbolos dos pratos do Norte como o caldo verde, bacalhau, rojões (carne de porco em pedaços), arroz de pato. Viana do Castelo tem o arroz de polvo e o bacalhau à Margarida da Praça; Caminha a caldeirada de pescada e dourada; Paredes de Coura, o bacalhau à Miquelina; Monção, o cabrito assado, a lampreia; Melgaço, o presunto defumado; o Porto, as famosas tripas. Nas sobremesas, a tradição conventual: S. Gonçalo e Papos de Anjo, o doce de travessa, o arroz doce e a aletria; as rabanadas, os sonhos e mexidos; o pão-de-ló e os doces com ovos e amêndoas.

Costa de Prata tem fama por causa dos peixes e crustáceos, que enriquecem as receitas regionais, como a caldeirada, as sardinhas e mariscos de Peniche; as ameijoas e berbigões da Lagoa de Óbidos e a caldeirada de enguias de Aveiro. Pratos de carne como o leitão assado da Bairrada, a chanfana de cabrito de Coimbra e o frango na púcara de Alcobaça. Entre os doces , as arrufadas de Coimbra e Aveiro, o pão-de-ló, os pastéis de Tetugal e as afamadas cavacas e trouxas de ovos de Caldas da Rainha. Além dos ovos moles de Aveiro, o pão de São Bernardo, os bolinhos de amêndoas da Arouca, as brisas de Liz, a torta de Aljubarrota, os pastéis de feijão de Torres Vedras e os frutos secos e em compota de Alcobaça. Entre os vinhos licorosos, a mais famosa é a ginjinha de Alcobaça (cerejas em aguardente), reinam também os espumantes de Bairrada, os vinhos de Buçaco, de Cantanhede, de Óbidos, Rio Maior e Torres Vedras.

Montanhas têm cozinha forte, bem temperada, como as alheiras de Bragança, especial para o inverno e o cozido de Vila Real, além da feijoada à transmontana e a bola de carne de Lamego. O presunto cru ou defumado, as perdizes de Pinhel, as enguias e trutas do Sabugal. O cabrito assado no forno é servido com arroz de pingo, cozido no molho que vai caindo da carne, as morcelas, tudo típico da zona do Sul das Montanhas. Não esquecer dos maranhos (tripas) da Sertã, os queijos de ovelha da Serra da Estrela e as tortas da Beira Alta. Tudo regado com vinhos da região.

Costa de Lisboa se destaca como paraíso do peixe como o robalo, o berbigão e o mexilhão de Ericeira e do Cabo da Roca. Em Setúbal, o salmonetes, as ameijoas e as ostras. Em Sesimbra, o espadarte. Em Cascais, os crustáceos. Também fazem sucesso os queijos de cabra e ovelha de Sobral de Monte Agraço e de Azeitão, os doces da Malveira e o pão-de-ló de Loures, as nozes e doces de ovos de Cascais, os zimbros de Sesimbra, as queijadas de Sintra. Para beber, os vinhos de Colares, Bucelas, Setúbal, Carcavelos e o moscatel de Setúbal. Lisboa oferece todas as especialidades da cozinha portuguesa, como as sardinhas assadas, as ameijoas à Bulhão Pato, as caldeiradas de peixe à fragateiro e todas as receitas de bacalhau. Na sobremesa o destaque famoso é para os pastéis de nata de Belém, saboreados na própria fábrica.

Organize seu roteiro, faça um pouco de regime antes de embarcar e caia de boca nas delícias portuguesas. Seu mundo nunca mais será o mesmo.