GUILHERME SETO E LUÍS ANDRÉ ROSA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Durante anos, fui hostilizado de forma até agressiva. Os que vieram depois levaram o clube ao caos. Houve um reconhecimento de que a minha geração tinha mais qualificação
“Quando vieram os executivos, deu no que deu: os clubes em dificuldades. O Palmeiras está contratando um cara para estudar o clube e reduzir gastos. Vão aumentar custos para estudar como diminuir. É só mandar gente embora
O celular antigo, com toque monofônico e já raro nos dias atuais, apita sobre a mesa. “Musiquinha chata, né? Comprei nas Casas Bahia”. Mustafá Contursi, 76, se pauta pela discrição, mas é há décadas uma figura política onipresente no Palmeiras.
Autoproclamado “jurássico”, faz parte de uma geração da cartolagem que, entra ano, sai ano, continua com grau máximo de influência no futebol brasileiro. Eurico Miranda, 72, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, 79, e Marco Polo Del Nero, 76, respectivamente presidentes de Vasco, São Paulo e CBF, são alguns de seus contemporâneos que seguem no comando.
Conselheiro do Palmeiras, Mustafá ganhou tudo que disputou nos últimos meses: ajudou Maurício Galiotte a se tornar presidente; conseguiu a maioria de eleitos no conselho deliberativo; elegeu o presidente do órgão; conseguiu maioria no conselho de orientação fiscal; e teve sucesso em confirmar Leila Pereira, dona da Crefisa, patrocinadora do clube e sua amiga, no cargo de conselheira.
Em entrevista, ele comenta as polêmicas envolvendo a candidatura de Leila Pereira, explica o porquê de sua geração de cartolas ter ainda tanta força e repete a palavra-chave que virou sua marca registrada no clube: austeridade.

Pergunta – O senhor apoiou Galiotte na eleição e acumulou vitórias nos conselhos deliberativo e fiscal. Por que continua tendo tantos aliados no clube?
Mustafá Contursi – Durante alguns anos, fui hostilizado de forma até agressiva. E os que vieram depois de mim levaram o clube ao caos. Houve, então, um reconhecimento de que a minha geração tinha mais qualificação do que a que sucedeu. Os conselheiros e associados enxergaram isso. O clube regrediu muito em todos os setores. Eu não faço nada, não quero me envolver muito intensamente, mas tomo posição, sempre. Sou sócio do clube desde 1951, pertenço à diretoria desde 1965.

Pergunta – A candidatura da Leila Pereira ao conselho do Palmeiras foi fundamentada em um título de sócia que você teria concedido a ela em 1996. Como foi essa circunstância?
MC – A concessão de uma condição de [sócio] patrimonial remido é ato administrativo, e foi o que fiz em 1996. Por alguma razão, os documentos se extraviaram do clube, como já aconteceu com muitas outras coisas lá, até mesmo troféus, que foram parar em ferros velhos. Eu apenas atestei que em 1996 eu promovi o ato para atrair pessoas para o seio do Palmeiras. Criaram um cavalo de batalha porque era uma questão política que envolvia pessoas da gestão anterior. Foi um problema de relacionamento. Em 1996, eu achava que essas pessoas [José Roberto Lamacchia, dono da Crefisa, que também se elegeu conselheiro, e Leila Perreira, presidente da empresa e sua mulher] poderiam estar, no futuro, junto ao clube. O Zé Roberto [Lamacchia], pessoa da minha relação, era sócio vitalício, e não queria perder essa condição para adquirir um plano família. Por isso, concedi o título à esposa dele. Infelizmente, as pessoas do clube que estavam nesse processo já morreram. Se alguém estiver muito interessado, que vá em uma mesa branca.

Pergunta – Há quem duvide da existência desse título…
MC – Quem duvida, continua duvidando. Quem não duvida, deu 200 e tantos votos para aprovar a candidatura.

Pergunta – O Galiotte tem dito que vai quitar toda a dívida do clube até o final do mandato. Acredita que ele vai conseguir?
MC – Acredito que sim, se ele reduzir 20% das despesas de todo o clube. Tem departamento que precisa reduzir até 80%, que é cabide de emprego. Um deles é o marketing, que não produz nada e só gera despesa. O patrocinador do Palmeiras, que hoje é o maior do Brasil, pegou o telefone e ofereceu o contrato. Eles argumentam que a receita do marketing vem do licenciamento. Mas os fabricantes de canetas e capas de celular que procuram o clube para fazer o licenciamento. Queria saber se esses caras do marketing foram até a Nestlé para vender o nosso distintivo para colocar no iogurte. Ou se foram na Vulcabrás [fabricante de calçados]. Não foram a lugar algum (…) Nenhum contrato de licenciamento foi produzido pelo pessoal do marketing. Encheram de CEOs lá.

Pergunta – Como ter austeridade e montar um bom time?
MC – Você precisa ter 80 jogadores contratados, que é o que o Palmeiras tem mais ou menos hoje, para jogarem só 15 ou 16? Todo início de temporada trazemos dez jogadores. Ganhamos Copa do Brasil, trouxemos mais dez. Conquistamos o Brasileiro, outros dez. Para quê? É um exagero. Não cabe nem no vestiário. E isso em todos os setores do clube.

Pergunta – Pensa em voltar a ser presidente do Palmeiras?
MC – Nunca. Nem tem razão para isso. Coloco minha experiência à disposição dos outros. Palmeiras tem uma geração que pode contribuir muito: o próprio Maurício, a gestão do Paulo [Nobre] foi importante.

Pergunta – Os membros de sua geração de cartolas, como Eurico Miranda e o Leco, ouvem a crítica de que a volta deles ao comando representa um retrocesso ao futebol brasileiro. Como você encara esses comentários?
MC – Analise como estava o futebol antes de eles voltarem. Eles estão voltando, segundo o conceito, certo? Não posso falar por mim, porque não voltei a lugar algum. Mas os demais voltaram porque aqueles que os sucederam fracassaram. Não haveria retorno se as coisas tivessem corrido bem. Queira ou não, essa geração que agora está se extinguindo foi a que trouxe oito títulos mundiais para o Brasil. Por incrível que pareça, os cartolas tão criticados hoje, “repulsivos”, que trouxeram a primeira medalha olímpica. A seleção está a um jogo de se classificar para a Copa da Rússia. Isso por conta dos cartolas jurássicos, entre os quais eu me incluo. Quando vieram os CEOs e executivos, deu no que deu: os clubes em dificuldades.

Pergunta – Se você fosse presidente hoje, que medidas tomaria?
MC – Primeiro, saneamento e austeridade. Faria um estudo de todos os desperdícios que certamente existem no clube. Segundo, restaurar o quadro associativo, que perdemos por força de alguma situações de dificuldade e também de falta de entrosamento e muito pela demolição de todas as instalações, que os associados ficaram anos sem lugar para se acomodarem. E o futebol como funcionou durante toda minha gestão, com profissionais. Dizem que o futebol tem que se profissionalizar, mas no Palmeiras sempre foi assim, e com grandes profissionais: Oscar Paulino, Rui Cardim, Américo Faria, entre vários outros. É uma falácia. Só o cara que ganha R$ 300 mil por mês que é profissional? Sei que o Palmeiras está contratando um cara para estudar o clube e reduzir gastos. Vão aumentar os custos para estudar como diminuir. É só mandar gente embora.