JORGE HENRIQUE BASTOS*
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A demanda realizada por Robert Pirsig em busca de editor para publicar seu célebre livro, “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas”, entrará para a história.
Após seis anos de tentativas e a recusa de mais de cem editores, uma editora pequena resolveu apostar no autor desconhecido. Com efeito, ele recebeu US$ 3 mil pelo contrato, e o livro finalmente saiu em 1974.
Para surpresa de todos, a obra começou a conquistar a curiosidade dos leitores. Em pouco tempo atingiu os 100 mil exemplares vendidos, e após a crítica de George Steiner na “The New Yorker”, selou a marca de um milhão. Um feito extraordinário para o escritor que ninguém conhecia. Mas a partir daí Pirsig tornou-se uma celebridade literária, a sua obra foi traduzida em todo o mundo, e se encerrou na segunda-feira, ao falecer em sua casa de South Berwick (EUA), aos 88 anos.
Nascido em Minneapolis, em 1928, Pirsig teve inúmeras profissões, atuou no conflito da Coreia (quando aproveitou para visitar o Japão e conhecer o zen-budismo), estudou filosofia e foi internado várias vezes para tratar da esquizofrenia, quando levou eletrochoques. Creio que sua obra maior foi a maneira que encontrou para se apaziguar consigo mesmo, tendo em conta a experiência da guerra coreana e a ruptura mental que sofreu.
A ação do livro dá-se na viagem que de fato o autor fez com o filho, percorrendo a distância entre a sua casa no Minnesota e a costa do Pacífico, atravessando os Estados Unidos de uma ponta a outra. O fulcro central da obra reside na discussão que Pirsig estabelece entre progresso tecnológico e humanismo (vestígios heideggerianos, portanto, e talvez isso explique o interesse que o livro despertou em Steiner).
Mas há ainda uma sucessão de pistas que giram em torno da obra, como os ecos do movimento hippie, a transgressão de maio de 68 e a liberdade, tudo isso mesclado com as tradições zen-budistas, forjando a sua “metafísica da qualidade”.
Pirsig arma a arapuca desde o título, driblando o leitor que se vê perante algo que pode ser tanto um tratado de mística oriental, como um manual de conserto para motociclistas. É aí que surpreende o leitor, pois os monólogos interiores que permeiam suas inquirições promovem o embate entre os valores do mundo industrializado e tecnológico e a ressonância na vida das pessoas. Seu alter ego, Fedro, cria então conceitos como “chatauqua”, a “qualidade” e o “mythos”, que são as chaves interpretativas para o caos interior e do mundo.
O aspecto positivo que se revela no livro é a simbiose eficaz que promove ao discutir temas como a virtude e os defeitos, e em paralelo fala sobre peças, soldaduras e motores.
Em 1991, após muitos anos, o autor publicou “Lila: uma investigação sobre a moral”, mas o efeito não foi o mesmo. Apesar da curiosidade em torno do lançamento, o livro obteve uma receptividade morna.
Numa época em que não havia internet, o livro emblemático de Pirsig só foi publicado entre nós, em meados dos anos 1980, na editora Paz e Terra. Transformou-se num fenômeno, também. A edição atual é da WMF/Martins Fontes, o que demonstra que continua encantando novas gerações.
Há autores de um livro só. Robert Pirsig é um deles.

*jornalista, crítico e tradutor, organizou “Poesia Brasileira Contemporânea – dos Modernistas à Atualidade” (Antígona)