GABRIELA SÁ PESSOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2013, no primeiro mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o atual presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), precisou decidir. Daria ou não andamento ao processo de impeachment contra o então vice-governador do Estado, Afif Domingos (PMDB), tornado ministro de Dilma Rousseff?
Escreveu no parecer, como relator: “A posse simultânea de dois cargos públicos, de vice-governador e Ministro de Estado, indica, em tese, eventual violação de dispositivos constitucionais hábil a ensejar a perda de mandato de vice-governador”.
Passados quatro anos e arquivadas as ações contra Afif, Macris fez algo bem parecido ao que antes condenava: nomeou Roger Willians (PMDB), vice-prefeito reeleito de Americana, chefe de gabinete.
Radialista, ele é conhecido em sua cidade por participar da cobertura de jogos de futebol em rádios e TVs.
A nomeação, segundo o tucano, seguiu a legislação. Willians não se licenciou do cargo a que foi eleito, mas rejeitou o ordenado bruto de R$ 10,7 mil. Agora, recebe R$ 14,8 mil como assessor especial, somada a sua gratificação especial de desempenho.
O STF e a Comissão de Ética Pública da Presidência entenderam, no caso de Afif, que todo vice é, digamos, decorativo. Trocando em miúdos, não tem função.
“É um cargo de expectativa”, concordam os advogados Pedro Serrano, professor de direito administrativo da PUC-SP, e Adib Sad, presidente do conselho de direito administrativo da seccional paulista OAB.
A não ser que o suplente exerça alguma função na administração. Era o caso de Willians, que acumulava a Secretaria de Esportes do município da região de Campinas.
A situação, pondera Sad, pode “raspar na moralidade, embora o acúmulo de funções não seja ilegal”. “A população tem que saber se valeu a pena eleger um vice-prefeito que não acompanha a cidade”, ele diz.
Caso o prefeito, Omar Najar (PMDB), se ausente -por exemplo, em viagem oficial-, Willians deverá ser exonerado da Alesp para assumir.
O conselheiro da OAB conta que a instituição propôs, em 2015, que uma das medidas para combater a corrupção era vedar a nomeação de ocupantes eleitos do Legislativo a cargos de confiança em outros poderes, sem a perda de respectivo mandato.
“Partia do Legislativo, mas pode ser ampliada a todos os Poderes”, comenta Sad. As propostas deveriam orientar um projeto de lei que acabou não sendo formalizado, “apesar dos pedidos” da OAB.
BRAÇO DIREITO
Para Macris, não se trata de mudar de opinião sobre a possibilidade de nomear um vice para exercer cargo de confiança? Ele afirma que o que escreveu sobre Afif tratava-se apenas da “admissibilidade do processo e sua consequente tramitação”.
“O deputado jamais analisou o mérito do processo. O parecer foi derrubado pelos demais membros da comissão e a representação, arquivada”, diz a assessoria de Macris, que respondeu também por Willians. A nota destaca que o parecer foi anterior à decisão do STF, que interrompeu o processo de impeachment.
Ter Willians como braço direito, diz Macris, irá “reforçar seu compromisso com Americana”, em meio ao que descreve como “profunda crise financeira” da cidade.
O assessor passa parte da semana no gabinete do deputado em Americana e parte na Assembleia.
“A chegada de Roger Willians intensificou a interface junto às esferas dos governos estadual e federal, o que, por consequência, beneficia o município com a busca de recursos”, afirma o presidente.
Atualmente, tramita na Assembleia um pedido de emenda do município, que pede o reconhecimento de seu estado de calamidade pública financeira. Caso aceito, permitirá que a prefeitura justifique à Justiça seus débitos e peça recursos emergenciais.