Com o envelhecimento sadio da população, devido às melhorias comportamentais, de saneamento básico, de acessibilidade em sistemas de saúde e de novas tecnologias, a expectativa de vida vem ampliando-se, fazendo com que vivamos mais e com melhor qualidade que em épocas anteriores.
Criamos tecnologias e novas evidências científicas a todo instante. Novos fármacos, novos métodos diagnósticos, novas intervenções, nos enchendo de segurança e tranquilidade, criando em muitos de nós a falsa percepção de que o envelhecimento e a morte não acontecerão com quem possui um bom convênio médico ou acesso a tecnologias mais avançadas em saúde.

Este fenômeno com frequência afeta as decisões clínicas, modificando o curso dos resultados esperados. Pacientes, familiares e equipes assistenciais, com frequência, envolvem-se em erros do pensamento que conduzem ao uso excessivo de recursos onerosos em todos os sentidos (físico, emocional, financeiro), sem ao final alterar o infortúnio e, em muitas vezes, infelizmente prolongando a vida de pacientes com sofrimento intenso devido principalmente ao paradigma da não aceitação da morte. Por um lado pacientes e familiares ávidos por novos exames e novos tratamentos revolucionários, obedientes ao modelo vendido como produto mercadológico ou de cunho político eleitoreiro a serem adquiridos e usufruídos e, por outro lado, equipes de assistência à saúde trabalhando no limite de suas sanidades mentais e físicas, em consultas rápidas, sem pessoalidade, investigando e tratando focalmente partes de um conjunto frágil e em declínio global.
Hoje sabemos a através da análise de grandes estudos clínicos que patologias crônicas como as doenças degenerativas cerebrais, entre elas as demências, as grandes isquemias cerebrais, doenças hepáticas e renais terminais, doenças cardíacas sem tratamento, doenças pulmonares graves, além do câncer somados à condição de fragilidade decorrente do próprio envelhecimento apresentam um comportamento de declínio funcional progressivo e irreversível, com sério comprometimento da qualidade de vida em uma espiral implacável.

A Organização Mundial de Saúde estima que existam aproximadamente 20 milhões de pacientes terminais no mundo, e nos alerta para o fato de que apenas 10% destas pessoas têm acesso a cuidados paliativos adequados em suas fases de fim de vida.
Uma pesquisa realizada em oito países em 2016, com 1,6 milhões de pacientes nos revelou que 1/3 deles receberam tratamentos sem benefícios e tampouco incremento da qualidade de vida. Tratamentos como transfusões sanguíneas, terapias antitumorais como quimioterapia e radioterapia, e manobras de reanimação cardiopulmonar mostraram-se não só ineficientes como também geradoras de malefício, já que muitas vezes prolongam o morrer de pacientes que estão em constante sofrimento físico, psíquico, emocional e espiritual. Este mesmo artigo nos afirma que os médicos lutam com a incerteza da duração da trajetória moribunda, e são divididos pelo dilema ético de entregar o que eles foram treinados fazer (salvar vidas), em contrapartida negligenciam o direito do paciente a morrer com dignidade, nos delatando claramente também a dificuldade cultural de pacientes, familiares e médicos, em aceitarem a finitude da vida, exigindo métodos e terapias que não modificam o curso da doença. Isso deve-se a expectativas não reais em relação aos resultados terapêuticos, em uma busca obstinada rumo a resultados ilusórios e utópicos, sem considerar suas diferenças e singularidades genômicas, fenotípicas, funcionais, culturais, sociais e familiares. Precisamos urgentemente conversar mais sobre a morte e o morrer, sobre nossa relação fantasiosa com as tecnologias e seus resultados reais, com sérios riscos de comprometermos a dignidade humana de nossos irmãos em sofrimento intenso diante de doenças ameaçadoras da vida. Pelo exposto, sugiro que sempre que possível converse com seu médico, pergunte-lhe sobre os exames e sua real necessidade, seu impacto nocivo ao organismo, pergunte-lhe sobre o prognóstico da doença e conversem entre os membros da família, de forma que fique tudo muito claro para que as decisões clínicas sejam maduras e sóbrias, a favor da valorização da experiência humana com conforto e sem torturas irracionais diante de um fim anunciado.

Paulo Fabricio Nogueira Paim é Médico especialista em Acupuntura, Coordenador do Serviço de Cuidados Paliativos e Controle de Sintomas do Hospital São Vicente FUNE e Presidente da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar e Co-coordenador Nacional do Choosing Wisely Brasil.