SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, apresentou nesta terça-feira (23) sua proposta de regras para a eleição da Assembleia Constituinte. A troca da lei máxima é vista pelo chavista como forma de dar fim à crise política.
Porém, acabou fomentando as manifestações que pedem sua saída, que ficaram mais violentas no último mês e já deixaram 54 mortos. A proposta precisa ser analisada pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral).
Mas o órgão eleitoral, onde só um dos cinco reitores é independente, deve dar aval ao decreto. Das cadeiras, 364 seriam preenchidas de forma universal e 168 por setores sociais, como sindicatos e associações comunitárias. Oito são destinadas aos indígenas.
No primeiro caso, cada município teria um representante, independente da população total. As capitais de Estado, como Maracaibo, elegeriam dois, e o Distrito Capital, que engloba o centro e o oeste de Caracas, teria sete.
Os representantes seriam eleitos nominalmente nos municípios e com lista fechada nos outros casos. Os candidatos deverão obter o apoio de 3% do eleitorado de seu colégio eleitoral para poder se inscrever e concorrer.
Pela proposta, os partidos não poderão sugerir postulantes de forma direta, embora não haja veto à participação de seus membros. As regras da coleta de assinaturas serão definidas pelo CNE nos próximos dias.
O órgão eleitoral também será responsável por acertar as normas de representação dos setores sociais. Pelo decreto do governo, será um candidato para cada 83 mil membros de sindicatos e associações comunitárias.
Dentre os setores, estão trabalhadores urbanos, agricultores e pescadores, estudantes, empresários, pessoas com deficiência e aposentados. No caso dos estudantes e trabalhadores, serão divididos em subcategorias.
Os eleitores deverão se declarar membros de um só dos setores e de apenas uma associação comunitária. Não se sabe como isso será feito, assim como que instituições serão consideradas responsáveis por estes cidadãos.
Ao apresentar o decreto, Maduro criticou a Câmara de Comércio do país e a coalizão opositora MUD ( Mesa de Unidade Democrática) por terem se recusado a negociar e participar do debate da Constituinte.
“Como um cidadão se nega a dialogar? A alternativa é que nos matemos então, qual é alternativa ao diálogo? A alternativa é a democracia, o voto”, disse, antes de voltar a acusar a oposição de fomentar a violência.
O presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, reiterou a posição da oposição contra o referendo e pediu a seus seguidores que rejeitem a convocação e mantenham a pressão contra o presidente nas ruas.
“A solução é que haja eleições livres para que as pessoas possam decidir o seu futuro, como temos pedido em mais de 50 dias de protestos. Eles querem decidir em que região se vota, quando se vota e em quem”.
O ex-presidenciável Henrique Capriles reiterou o chamado para acionar o artigo 350 da Constituição, que determina a rejeição de “qualquer regime, lei ou autoridade que contrarie valores, princípios e garantias democráticas ou desonre os direitos humanos”.
BENEFÍCIO
Com as regras, o governo se beneficia tanto no voto universal como no setorial. A divisão por município dará maior influência ao interior, tradicionalmente mais chavista e mais dependente de programas sociais do governo.
Na eleição de 2015, os distritos eram por população, dando mais margem a um domínio opositor, como aconteceu. Outra regra que prejudica os rivais de Maduro é a exigência de cinco anos de residência no município escolhido.
No caso dos setores, o CNE pode definir por sindicatos e associações comunitárias governistas, assim como impor a exigência de filiação. Desde o início, a Constituinte é criticada inclusive por aliados do governo chavista.
Em carta na segunda (22) ao governo, a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, afirmou que a troca da Constituição “não é necessária, pertinente nem conveniente” e criticou a falta de eleições universais à Constituinte.
“Longe de contribuir para a desejada reconciliação nacional, geraria um grau elevado de incerteza haja visto o risco e a desconfiança que se produziria”, disse Ortega Díaz, que tem criticado o governo desde o início dos protestos.
Ela considerou uma ruptura constitucional os decretos do TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) que tiravam poderes da Assembleia Nacional, estopim para as manifestações, e o modo como os manifestantes estão sendo presos.
Outro que discorda da troca da lei máxima é o magistrado do TSJ Danilo Mojica. “O que está em jogo é a estrutura do Estado e a paz social diante da comoção política que vive o país”, disse.