SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As políticas públicas voltadas aos moradores de rua precisam ser conversadas com eles próprios e dar prioridade à habitação social.
A análise foi feita pelos participantes da terceira edição da série de debates Diálogos Paulistanos, nesta terça-feira (23). Participaram Vinicius Ferreira, do coletivo Entrega por SP, e a professora Silvia Schor, da FEA-USP, que coordenou um censo sobre população de rua.
A Folha de S.Paulo convidou o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, mas ele desmarcou presença na véspera do debate. É a terceira edição da série em que a gestão João Doria (PSDB) recusa convite da Folha de S.Paulo para participar.
Schor, que coordena o grupo de estudos em habitação social da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, diz se esforçar “para trazer a questão da habitação para a primeira etapa do cuidado ao morador de rua, sem que se passe por albergues”.
Ela classifica o modelo em que a pessoa entra no abrigo e progride por etapas, até ser liberado, como “perverso”. Segundo a economista, “as pessoas escorregam para a rua no meio do processo e não voltam; aí o que você faz de dia, a rua desfaz de noite”.
A lógica com maior sucesso internacional, para ela, é a de “housing first”, que surgiu em Nova York em 1992. No modelo, concede-se uma casa com aluguel social para o morador de rua, sem cobrar como condição a abstinência imediata de drogas.
Segundo o censo supervisionado por Schor, a população de rua está em crescimento constante, tendo chegado a cerca de 18 mil na cidade de São Paulo após um aumento de 80% entre 2000 e 2015 -crescimento mais intenso em regiões fora do centro e de curva mais vertiginosa que o aumento populacional da cidade como um todo.
A professora defendeu que se façam políticas adaptadas aos diferentes grupos de pessoas que moram na rua, já que há perfis heterogêneos. Ela apontou que nos últimos anos vem crescendo a população de rua mais jovem, que tem reinserção social mais fácil, e que 18% dos moradores de rua não usam drogas nem álcool, segundo sua última pesquisa.
Vinicius Ferreira, do Entrega por SP, concordou com o diagnóstico. “Não adianta fazer política por atacado, para tratar população de rua como uma classe única”, disse. “Não acreditamos em política social que parta do topo para o indivíduo”.
Ele apontou a existência, por exemplo, de pessoas LGBT que estão na rua por rejeição em outros ambientes e de gente que vive acompanhada de parceiros ou cachorros, o que em geral não é previsto nas políticas de acolhimento dos albergues.
O Entrega por SP tem o objetivo de conhecer esses indivíduos e “oferecer a eles um ombro”, além de itens básicos como meias, escova de dente, papel higiênico e cobertores. O projeto surgiu em 2013 e, segundo Ferreira, alcança cerca de 1.200 pessoas em situação de rua por mês, com uma média mensal de 300 voluntários que saem às ruas nas madrugadas de dias de semana.
Entre as pessoas com as quais o projeto trabalhou está Mirella Nunes Ramos, que estava na plateia do debate. Ela, que já foi usuária de drogas, se identifica como moradora de rua, apesar de estar abrigada. “Só vou deixar de ser quando tiver minha casa.”
De seu ponto de vista, “a maioria [da população de rua] quer ajuda, mas não sabe como usufruir dela”. Segundo Mirella, dar emprego de imediato para o usuário de crack pode piorar a situação, porque ele acaba usando o dinheiro para comprar mais droga. “Ele não sabe como lidar com aquele dinheiro. Muitos nem passam por psiquiatra e já estão recebendo salário mínimo.”
CRACOLÂNDIA
Durante o debate, houve forte tom de crítica às ações da prefeitura na cracolândia desde o último domingo (21).
Segundo José França, morador de rua que foi usuário de drogas e morou por mais de um ano na região, o que houve foi uma invasão premeditada. “Já chegaram atirando balas de borracha”, disse.
Gleyma Lima, do coletivo Mulheres na Cracolândia, que distribui itens como absorventes a habitantes da região, definiu a ação como higienista.
“O projeto do [ex-prefeito Fernando] Haddad estava caminhando, agora o Doria vem e derruba tudo, até um prédio com pessoas dentro. Quando dormiram no sábado, era Braços Abertos [operação criada em 2013 pela gestão Haddad], e no domingo acordaram na quebradeira.”
Fábio Fortes, membro do Conselho de Segurança da Santa Cecília, disse ter sido contrário ao Braços Abertos e levantou o que chamou de “drama psicossocial” dos moradores de rua que não usam drogas. “Nem todos são ladrões, mas acabam cometendo furtos na região”, o que, segundo ele, aumenta sensação de insegurança no bairro.