ALEX SABINO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jorge Sampaoli, 57, que será anunciado oficialmente até o início de junho como novo técnico da seleção argentina, tem uma tatuagem no antebraço esquerdo. “No escucho y sigo, porque mucho de lo que está prohibido me hace vivir” (“Não escuto e sigo, porque muito do que está proibido me faz viver”, em espanhol), diz o texto.

É o trecho de “Prohibido”, música da banda de rock Callejeros. O vocalista do grupo, Patricio “Pato” Fontanet, cumpre pena de sete anos na penitenciária de Ezeiza, em Buenos Aires, pela tragédia que ficou conhecida como Cromañon. Durante o show do conjunto em 2004, uma pessoa na plateia acendeu um sinalizador, causando pânico. Foi uma das maiores tragédias da história argentina, com 194 mortos e 1.400 feridos.

Sampaoli é amigo de Fontanet e lidera, já há alguns anos, campanha pela sua libertação. É uma fixação que se encaixa sob medida na personalidade obsessiva do técnico que terá a missão de levar a Argentina para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia.

O Sevilla, time espanhol no qual o treinador trabalhava, anunciou nesta sexta-feira (26) que chegou a um acordo com a AFA (Associação do Futebol Argentino) para rescindir o contrato do técnico.

“Não basta eu dizer que Sampaoli vive futebol. Isso não lhe faria justiça. Ele sabe o que acontece em todos lugares e com todos os jogadores. É inacreditável”, disse Arturo Vidal, seu comandado na seleção chilena.

Jogador que teve de abandonar a carreira aos 20 anos após fratura na tíbia, Sampaoli é escolha quase unânime entre dirigentes e preferido dos torcedores, mas não conta com a simpatia de colegas.

“Se Sampaoli é o melhor técnico para assumir a seleção, acho que precisamos encerrar a escola de treinadores no país e começar tudo de novo”, disse Carlos Bilardo, que levou à Argentina ao título mundial de 1986 e ao vice em 1990. “O que ele ganhou? É muita fumaça e pouco fogo.”

Sampaoli foi campeão chileno e da Copa Sul-Americana com a Universidad de Chile. Com a seleção desse país, conquistou o inédito título da Copa América, em 2015.

Não havia como duas pessoas como Sampaoli e Bilardo se entenderem. O primeiro proibiu os atletas de fazerem sexo durante a Copa do Mundo de 2014. O segundo, quando comandava o Estudiantes, insistia que jovens jogadores cortassem troncos de árvores com machados para “ganharem músculos”.

Sampaoli é fã confesso de Marcelo Bielsa, discípulo do técnico Cesar Menotti, campeão mundial em 1978. Sua admiração é tão grande que, ao encontrá-lo pela primeira vez, emudeceu. Uma loucura que até “El Loco” Bielsa achou estranho.

Menotti é inimigo de Bilardo. Outros treinadores acham Sampaoli antipático e inacessível. Já poderia ter sido o escolhido para dirigir a seleção em julho de 2016, mas o ocupante do cargo, Gerardo “Tata” Martino, fez de tudo para que isso não acontecesse.

Victor Taboada, gerente da AFA, chegou a lhe oferecer o emprego. À espera da vaga, Sampaoli negociava também com o Sevilla. Martino adiou a saída até que o colega resolvesse que não poderia mais esperar.

Oito dias depois de Sampaoli assinar com o clube espanhol, Tata comunicou que deixaria o cargo. Ter vontade de ferro e convicções imutáveis será um cenário interessante na Argentina, que mantém a mesma base desde a Copa de 2010.

Para parte da imprensa local, a equipe se tornou uma confraria capitaneada por Messi e Mascherano. Mas ninguém, em sã consciência, defende a ideia de que ambos sejam excluídos das convocações.

Suas equipes têm estilo vertical, direto, sem jamais renunciar ao jogo ofensivo. Foi assim que o Chile de Sampaoli quase eliminou o Brasil nas oitavas de final da última Copa de 2014. No último lance da prorrogação, Pinilla acertou um chute no travessão. A seleção brasileira venceu nos pênaltis.

Mesmo na época, já havia um lobby por Sampaoli na AFA. Agora não há nenhum Martino para atrapalhar.