BELA MEGALE E CAMILA MATTOSO BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A família do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), é fornecedora de gados para a JBS, uma das maiores processadoras de carne do mundo e que acaba de ter um acordo de delação premiada homologado pelo tribunal.

No cargo, Gilmar pode ter de tomar decisões sobre a delação. A informação foi dada pelo próprio ministro à reportagem ao ser questionado sobre encontro recente que teve com o empresário Joesley Batista, um dos sócios da JBS que gravou secretamente o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Gilmar confirmou a reunião, ocorrida, segundo ele, a pedido do advogado Francisco Dias, um dos delatores da empresa. Joesley, de acordo com Gilmar, apareceu de surpresa ao encontro, que, diz o ministro, tratou de questão referente ao setor de agronegócio.

A conversa ocorreu fora do Supremo, no IDP, escola de direito em Brasília da qual o ministro do STF é sócio. A data da conversa, segundo Gilmar, é posterior a 30 de março, quando o tribunal realizou um julgamento sobre o Funrural, fundo abastecido com contribuições de produtores rurais à previdência. Os ruralistas questionavam o pagamento ao fundo na Justiça e o STF manteve a obrigatoriedade.

O ministro afirmou que votou contra os interesses da JBS. A gravação de Joesley com Temer foi feita no dia 7 de março, no Palácio do Jaburu. Gilmar afirmou que conheceu Joesley por causa de negócios na área de agropecuária. Disse que não o via havia mais de um ano, até o encontro recente, em Brasília. “Minha família é de agropecuaristas e vendemos gado para a JBS lá (Mato Grosso)”, afirmou, acrescentando que se trata de um irmão. “Eu já havia o [Joesley] encontrado em outras ocasiões. A JBS tem um grande frigorífico em Diamantino (MT), minha terra, implantado pelo grupo Bertin no governo Blairo [Maggi, governador do Mato Grosso entre 2003 e 2010]”.

Segundo o ministro, a relação comercial com a empresa não é motivo para ele se declarar impedido de participar das votações futuras relacionadas à JBS no STF. “Não. Por quê? As causas de impedimentos ou suspeição são estritas”, disse. “[Se fosse assim] Eu não poderia julgar causas da Folha de S.Paulo, Carrefour, Mercedes-Benz, Saraiva”, acrescentou, fazendo referências a empresas com quem tem algum tipo de relação comercial [no caso, empresas das quais é cliente].

As declarações foram dadas por ele à reportagem antes das 13h, ao ser questionado sobre o encontro que teve com Joesley. Depois, em entrevista a jornalistas no STF, ele declarou que o plenário do tribunal tem de discutir os termos do acordo de delação da JBS, alvo de críticas por supostas fragilidades em relação a penas dos envolvidos.

Para Gilmar, não cabe apenas ao relator (no caso, o ministro Edson Fachin) homologar um acordo. “Me parece que nesse caso, como envolve o presidente da República, certamente vamos ter que discutir o tema no próprio plenário”, disse. Perguntado pela reportagem se tem receio de ter sido gravado, assim como ocorreu com Temer e Aécio, o ministro do STF respondeu: “Não [tem receio]. Como lhe disse, a conversa se limitou a esse tema [Funrural]”, respondeu.

 

VOTAÇÃO EM MARÇO

Mendes argumentou que foi um dos seis ministros que votaram a favor de manter a cobrança das contribuições para o Funrural no dia 30 de março, indo contra o pedido dos ruralistas (incluindo a JBS) -o placar foi de 6 a 5. “Votei contra os meus próprios interesses econômicos, pois minha família terá de pagar a contribuição atrasada.” “O advogado dele havia procurado para falar sobre o caso julgado pelo STF sobre o Funrural.

O setor estava em polvorosa. Eu já havia recebido toda a bancada ruralista, que alegava a necessidade de modularmos efeitos da decisão”, acrescentou Gilmar. Ele afirmou também que o pedido de Joesley, posterior ao julgamento, foi para encontrar uma fórmula que permitisse o alongamento da contribuição.