PAULA SPERB
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Romancista, contista e cronista, Moacyr Scliar (1937-2011) escreveu mais de 80 livros e milhares de textos para jornais. A temática judaica foi uma constante na sua obra. Porém, a literatura de Scliar vai além da religião.
É o que dizem os escritores -e amigos de Scliar- Antônio Torres, Ignácio de Loyola Brandão, Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura. Os quatro estiveram reunidos no palco do Centro Histórico Cultural da Santa Casa, em Porto Alegre, na noite desta sexta-feira (26). O evento “Scliar a Quatro Vozes” debateu a produção literária do autor no ano em que comemoraria 80 anos. A viúva do escritor, Judith Scliar, estava presente.
O livro póstumo lançado recentemente, “A Nossa Frágil Condição Humana”, reúne 68 crônicas sobre a cultura judaica publicadas no diário gaúcho “Zero Hora”. Scliar assinou ao todo 5 mil crônicas no jornal. Na Folha, ele foi colunista por quase 30 anos.
“Nem tudo tem a ver com o judaísmo. Antes de mais nada, ele era um escritor brasileiro, um escritor diferenciado. Scliar trouxe seu mundo para a literatura, um mundo pouco explorado. É preciso tirá-lo desse nicho [judaico] porque ele é muito mais do que isso”, disse Loyola Brandão à Folha.
Para ele, o romance “O Centauro no Jardim” exemplifica a amplitude da ficção do gaúcho. “É uma metáfora atual para o Brasil e o mundo através do fantástico, do absurdo”, opina Loyola Brandão.
A literatura socialmente engajada é outro ponto forte de Scliar, segundo o escritor baiano Antônio Torres. “Ele tinha uma percepção particular para a gente sem voz, anônima e sem rosto na multidão”, disse Torres à reportagem. Scliar militou em movimentos de esquerda na juventude. Médico, era acostumado a atender pessoas pobres. No seu discurso de formatura em medicina, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1962, recitou os versos do poema “Quatro Mortos por Minuto”, de Ferreira Gullar.
O quarteto de amigos também foi unânime sobre um traço da personalidade de Scliar: o bom humor. Luis Fernando Verissimo relembrou os bastidores do divertido “Pega para Kaput”.
O livro é assinado por Veríssimo, Scliar, Josué Guimarães e Edgar Vasques, autor das ilustrações. Cada um escrevia uma parte e deixava mais complicada para o autor seguinte continuar o enredo. Na história, um testículo de Hitler aparece em uma praia do litoral gaúcho.
Zuenir Ventura elogiou a capacidade de Scliar “universalizar” os enredos. “Ele conseguia ser tão universal a ponto de ser plagiado”, comentou Ventura. O autor Yann Martel, de “As Aventuras de Pi”, admitiu ter retirado a ideia do livro “Max e os Felinos”, de Scliar. As desculpas de Martel bastaram para Scliar, que não travou uma batalha jurídica contra o plágio.
O grupo arrancou gargalhadas diversas vezes da plateia contando anedotas sobre Scliar.
“Ele tinha um defeito, nem sei como era escritor com esse defeito: ele não bebia”, revelou Loyola Brandão. “Pior! Ele bebia Malzbier”, completou Verissimo.