GUILHERME GENESTRETI, ENVIADO ESPECIAL* CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O cineasta Roman Polanski se perde nas respostas, faz cara de estar com sono, pede para que os jornalistas parem de fazer perguntas apenas a ele e dirijam-se aos outros membros da equipe de filmagem. Aos 83, o diretor polonês aparenta ser um velhinho perdido em meio à balbúrdia do Festival de Cannes. Mas seu novo filme, “D’après une Histoire Vraie” (baseado em uma história real), desmente essa impressão de uma pessoa apática.

Embora não chegue nem perto das melhores obras de Polanski, trata-se de um thriller vigoroso sobre a obsessão pelo realismo e pela vida alheia dos dias de hoje. “Existe todo esse bombardeamento de informações, fotos das vidas dos outros ao redor, notícias falsas. E nos perguntamos: O que é uma história verdadeira hoje?”, indagou o cineasta na entrevista coletiva que se seguiu à exibição do seu longa. O filme participa da seleção oficial do Festival de Cannes, mas fora da competição pela Palma de Ouro.

Em “D’après une Histoire Vraie”, Emmanuelle Seigner interpreta a romancista Delphine, uma espécie de Elena Ferrante que narra fatos que nunca se sabe se autobiográficos ou não, e que mantém um séquito de fãs, principalmente mulheres. Uma delas, Elle (Eva Green), se aproxima e passa a tomar espaço em sua vida. Trata-se de uma “ghost writer” misteriosa que começa a dar palpites na obra de Delphine e que a aconselha a escrever algo real, e não ficcional.

O nome “Elle” (ela) vem para confundir o espectador: não se sabe ao certo se se trata de uma fã de verdade ou de uma alucinação da cabeça da romancista. “Gostei da ideia de fazer um thriller com duas mulheres, já que em geral o gênero é trabalhado com homens”, diz Polanski. Ainda assim, o longa que tem roteiro do também diretor Olivier Assayas (“Personal Shopper”) por vezes descamba para o fetiche machista com o retrato psicótico que pinta de Elle. O machismo foi até abordado, como piada, na entrevista coletiva.

Um jornalista perguntou a Polanski o que era mais difícil: trabalhar com mulheres ou viver com elas. A resposta: “Como alguém tão inteligente pode fazer uma pergunta tão estúpida? É claro que é viver com elas”. O filme é também o primeiro trabalho falado em francês de Eva Green desde 2004, quando a parisiense passou a ser escalada para produções inglesas e americanas. “Estou sempre me esforçando para melhorar meu sotaque em inglês. Como o francês é minha língua-mãe, esse trabalho foi libertador”, disse a atriz de “007: Cassino Royale” (2006) e “O Lar das Crianças Peculiares” (2016).

Polanski também foi questionado sobre a controvérsia que marca esta edição do festival: A ameaça às alas de cinema diante dos serviços de vídeo sob demanda. “Não acho que exista uma ameaça ao cinema”, respondeu o diretor de “O Bebê de Rosemary” (1968), “Chinatown” (1974) e “O Pianista” (2002). “As pessoas não vão aos cinemas apenas pela projeção ou pelo som, eles vão porque participam de uma experiência pública, e isso é tão velho quanto a humanidade, como circo ou o teatro. Gostamos de viver espetáculos em coletivo.”

Polanski não concordou em dar entrevistas individuais durante o festival. A imprensa também foi alertada a não questioná-lo sobre o ruidoso caso de abuso sexual cometido contra Samantha Geimer, em 1977, e que o impede de botar os pés nos Estados Unidos. Polanski também não comenta o assassinato de sua ex-mulher Sharon Tate pelos seguidores da seita liderada por Charles Manson.

 

PÓS-VIOLÊNCIA

A competição deste ano foi encerrada com a exibição de “You Were Never Really Here”, thriller peculiar de Lynne Ramsay, mesma diretora de “Precisamos Falar sobre o Kevin” (2011).

Em mais um papel intenso e sombrio, Joaquin Phoenix é Joe, um matador de aluguel recrutado para salvar uma garota, filha de um político. Joe é assolado por traumas, que assaltam a sua mente feito as imagens macabras que assolavam a personagem de Tilda Swinton no filme de 2011. “You Were Never Really Here” subverte as convenções do thriller ao narrar a história de um matador de aluguel solitário. “Não estou interessada em explorar o que vemos muito por aí”, explicou a diretora, com seu carregado sotaque escocês, que definiu o longa como uma obra de “pós-violência”.

As músicas são usadas de forma irônica, e a violência, muitas vezes, é o que aparece fora de enquadramento. O tom do filme, que alterna momentos de humor e cenas de extrema brutalidade, muitas vezes dá uma cara patética ao protagonista. “Achei que estivéssemos fazendo uma comédia”, brincou Phoenix. “Queríamos sair da ideia do herói masculino que salva o dia.” A cerimônia de premiação ocorre no domingo (28).