Guardião da Constituição, o STF precisa rever o acordo de leniência homologado com os irmãos Joesley e Wesley Batista. Em nome da dignidade nacional e da moralidade pública. A desproporcionalidade na aplicação da lei, nas duas grandes centrais de corrupção sistêmica, Odebrecht e JBS, é flagrante. O empresário Marcelo Odebrecht está preso, há quase dois anos, em Curitiba. Condenado a dez anos, cumprirá sete anos com tornozeleira eletrônica e posteriormente em regime domiciliar. O pai, Emílio Odebrecht, foi condenado a quatro anos em prisão domiciliar. E multa bilionária.

Paralelamente, os diretores do JBS, compradores de políticos como se compra gado, envolvidos em corrupção oceânica com o dinheiro público jorrando como onda do mar, ganharam privilégios indecorosos: Imunidade legal e garantia jurídica vetando a abertura de processos sobre os crimes em que foram ativos participantes. A multa simbólica fixada foi de R$ 225 milhões, homologada pelo ministro do STF, Edson Fachin. Recebendo autorização de se ausentar do País, Joesley embarcou, no jato particular, para os EUA, acompanhado de Ricardo Saud, antigo pupilo e assessor do folclórico deputado Severino Cavalcanti, cassado da presidência da Câmara por recebimento de propina. Em Brasília, conhecido como homem da mala, é o diretor de Relações Institucionais do JBS e tratado pela imprensa de executivo de sucesso. A dualidade jurídica nas penas não encontra amparo nem no “Código de Hamurábi”.

Eivada de suspeição, a colaboração dos irmãos Joesley e Wesley, junto à PGR (Procuradora Geral da República) tem roteiro envolvendo personagens da área pública na sua estruturação. Registrado pela imprensa e nunca desmentido, o acordo de leniência negociado foge a qualquer padrão nas operações de combate à corrupção pública e privada brasileira.

No dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda, suspeição tem essa definição: “Situação, expressa em lei, que impede juízes, representantes do Ministério Público, advogados, serventuários ou qualquer outro auxiliar da Justiça de, em certos casos funcionarem no processo em que ele ocorra.” Na delação da JBS, o seu diretor jurídico Francisco Assis e Silva, em 19 de fevereiro, teria contatado servidores públicos que investigavam a empresa para dar “aula de delação” aos irmãos Batista. Seriam dois integrantes da “Operação Greenfield”, onde a empresa está sendo investigada. Os professores teriam sido o procurador da República, Anselmo Lopes e a delegada da Polícia Federal, Rúbia Pinheiro.

E tem mais: o procurador Marcelo Miller, integrante do Grupo de Trabalho da Lava Jato, em Brasília, braço direito de Rodrigo Janot, em 6 de março, deixou o Ministério Público Federal. Não respeitou o princípio jurídico e ético da quarentena, passando imediatamente a advogar no escritório Trench, Rossi & Watanabe, contratado pela holding J&L (JBS) para negociar o acordo de leniência. A PGR justificou-se que o ex-procurador não teria participado das negociações que sedimentaram a “colaboração premiada”. Como diria o poeta “palavras ao vento, voai”. Joesley Batista cooptou como informante no Ministério Público Federal, outro procurador da República, Angelo Goulart Villela. O servidor corrompido foi demitido e cumpre temporada prisional.

No futuro os corruptos, quando optarem por “colaboração premiada”, devem procurar a PGR, em Brasília. Punição suave e benefícios vantajosos. No ano passado, o felizardo foi o corrupto Sérgio Machado, dirigente da Transpetro, um dos núcleos de negociatas na Petrobrás. A exemplo de Joesley, saiu de gravador em punho registrando conversas com o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros, Edson Lobão e Romero Jucá. Afirmando ter repassado aos quatro R$ 70 milhões. Nos doze anos em que dirigiu a estatal delatava ter desviado R$ 100 milhões ao PMDB.

Homologada em maio de 2016, a colaboração de Sérgio Machado, estabeleceu 2 anos e 3 meses de prisão, com tornozeleira, na sua confortável residência em Fortaleza. O felizardo corrupto recebeu multa de R$ 75 milhões e obteve garantia de suspensão de investigação sobre os filhos. Um deles, Expedido Machado da Ponte Neto, administrava uma “off-shore” (contas bancárias que ocultam a origem do dinheiro) em Londres, onde teria investido 21 milhões de libras (R$ 92 milhões), em quatro imóveis na Inglaterra. O primeiro, em Londres, um prédio de escritório por 7,2 milhões de libras (R$ 32 milhões); o segundo, uma propriedade em Leeds, por 6 milhões de libras (R$ 26,8 milhões); o terceiro, apartamento no bairro nobre de Mayfaír, por 1,8 milhão de libras (R$ 8,2 milhões); e a quarta propriedade, a compra de um imóvel no centro de Londres no valor de 7,2 milhões de libras (R$ 26,7 milhões). Os investimentos imobiliários no Reino Unido foram publicados pelo conceituado jornal inglês The Guardian. O filho está dispensado de prestar qualquer esclarecimento oficial.

Em artigo na Folha de S.Paulo (25-05-2017), por título “O custo de romper o círculo da corrupção”, o chefe da PGR, Rodrigo Janot, constatou: “Fui taxado de irresponsável”.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros