A flecha de bambu do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no prêmio delacional dado aos irmãos Joesley e Wesley, deveria ser chamado de Janotesley. Ele afirmou: Eles aceitaram negociar tudo menos a imunidade. Se eu não aceitasse, os empresários continuariam na mesma atividade ilícita que sempre tiveram. Na sua rendição aos irmãos Batista, Janot atingiu um instrumento fundamental no combate à corrupção pública e privada: a colaboração premiada. Os malandros de colarinho branco estariam felizes se ela não existisse no Brasil. Transplantada da legislação anglo-saxônica, introduziu no penalismo nacional uma visão moderna para punir corruptos e corruptores. Há três anos, em Curitiba, a Lava Jato, com indiscutível competência realiza trabalho histórico. A colaboração premiada vem sendo instrumento essencial para investigar o desvio de recursos públicos na estrutura do Estado.
O majoritário apoio dos brasileiros indignados à Lava Jato, que opera no Paraná, pode ser medido pela jocosa expressão criada por um dos investigados. Ele dizia existir a República de Curitiba. No fundo reconhecia o trabalho sério e as investigações corretas executadas. Paralelamente, parece não existir nas investigações conduzidas pela PGR, em Brasília. O desvirtuamento da colaboração premiada na Lava Jato da capital federal é fato inegável. No ano passado, a gravação do corrupto Sérgio Machado envolvendo figuras políticas garantiu ao réu privilégios inacreditáveis. Está em prisão domiciliar no Ceará, cumprindo pena na sua mansão, de 2 anos e 3 meses. E garantindo anistia para os seus filhos envolvidos no processo.
O transbordamento na concessão de privilégios concedidos pela PGR alcançaria o seu ponto máximo, ao negociar a colaboração atabalhoada do grupo JBS. Ainda agora, o Tribunal de Contas da União decidiu, por unanimidade, investigar a empresa nos prejuízos causados ao BNDES. A inclusão de Joesley Batista, no rol dos responsáveis pelos prejuízos, motivou reação da JBS, alegando estar protegido pelas garantias jurídicas oriundas do acordo celebrado. Eis a irada reação: A decisão do TCU violenta às cláusulas protetivas do acordo de colaboração celebrado com a PGR. Utilizar contra os colaboradores as provas que foram entregues pelos mesmos é um lamentável ataque do mecanismo de colaboração. A organização criminosa, aferidora de elevada lucratividade na última década, subverte a integridade do processo democrático, ao insurgir-se contra a investigação dos delitos praticados.
Em tempo recorde, a PGR, de posse de gravações e depoimentos, encaminhou do STF (Supremo Federal Federal) o processo da JBS, garantindo aos réus imunidade absoluta. Monocraticamente, o ministro Edson Fachin, ratificou os termos que Rodrigo Janot havia negociado. A sociedade brasileira, de acordo com pesquisa da Data Folha (Folha de S.Paulo, 25-6-2017), condenou em 64% o acordo e 81% dos brasileiros consideraram que os irmãos Joesley e Wesley deveriam ter sido presos pelos crimes que cometeram. Levando o plenário do STF a apreciar a validade do acordo. Decidindo corretamente que a delação não poderia ser anulada, mas no futuro poderia rever os benefícios pessoais dados aos réus. Em tempo: admitir a revogação do princípio da delação criaria o precedente para os advogados dos outros condenados pedirem a plena isonomia. A rigor, quando recebeu o processo da JBS, o ministro Edson Fachin, ao invés de homologá-la, deveria ter acompanhado a prática jurídica do falecido ministro Teori Zavascki. Relator da Lava Jato, Zavascki, em 12 de dezembro de 2016, devolveu à PGR, denúncia de corrupção contra um senador, por não constar a conclusão do inquérito da Polícia Federal. No seu despacho dirigido a Janot, dizia: Ante o exposto, à falta dos autos do inquérito, intime-se o Ministério Público para que regularize a situação dos autos. Não havia prova documental suficiente que sustente a denúncia da PGR.
A armadilha da premiação obtida pelos irmãos Batista e diretores, ainda sujeito a anulação pelo STF, no referente a benefícios pessoais, é o que deveria acontecer. Não é admissível o perdão absoluto para a corrupção e crimes sem enfrentar nenhum processo penal. O Juiz Fausto De Sanctis, doutor em Direito Penal, no artigo Delação – há limites? (Estado de S.Paulo, 7-7-2017), destaca: Descabem penas brandas, pois existe necessidade evidente de sanção compatível nos delitos contra a administração pública, dada a sua flagrante desproporção ante a gravidade delitiva.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira