O ano é 1940. Curitiba tinha 150 mil habitantes e uma área urbana constituída por 350 ruas, avenidas e praças. O Centro Cívico, hoje coração administrativo da cidade, não era mais que um sonho idealizado pelo urbanista francês Alfred Agache. A região onde hoje fica o Palácio Iguaçu, a Prefeitura de Curitiba e a Assembleia Legislativa não passava de um grande morro e em vez de um shopping center, a Fundição Mueller era a vizinha do Passeio Públic

Curitiba mudou (e muito) desde então. Para se ter noção, a cidade conta hoje com 1,9 milhão de habitantes e cerca de 10 mil vias. Mas há algo no Centro Cívico que parece resistir ao tempo, uma espécie de último dos moicanos. É a Casa Michel, uma empresa famíliar de conserto de eletrodomésticos localizada há 77 anos na Rua Barão do Cerro Azul, 357.

Estragou? Será que vale a pena consertar?

A oficina foi inaugurada em 1940 pelo libanês Miguel Joaquim, que havia chegado ao Brasil dois anos antes e resolveu se aventurar no ramo após a loja de vestuário que sustentava a família ser roubada. Naquele mesmo ano, inclusive, nasceu o seu filho, José Miguel Joaquim, o Seu Michel (apelido que herdou do pai ao assumir o negócio da família, em 2000). 
Meu pai fez o ponto, ficou 60 anos aqui. Quando ele chegou, não tinha nada na região. Não tinha Prefeitura, Tribunal… Foram fazendo essas coisas nos anos 1950, 1960, e aí estourou, conta, destacando que o ofício foi passado quase que hereditariamente. Desde pequeno eu ajudava meu pai, sentava junto e mexia nas ferramentas.

Os produtos costumavam ser americanos ou mesmo nacionais, com peças importadas. Era tudo bom, feito para durar muito tempo. Hoje é só porcaria, fazem os eletrodomésticos para durar 1 ano. Até parece que calculam, comenta Seu Michel.

Clientela fiel, nostalgia, muito trabalho…

Embora os produtos de hoje durem menos, sejam descartáveis e mais facilmente substituídos, o movimento na loja de Seu Michel é grande. Por dia, conta ele, chegam de 7 a 10 aparelhos para conserto. Tudo fruto do trabalho iniciado por seu pai, que ao longo dos 60 anos trabalhando no ponto conseguiu conquistar uma clientela fiel que veio a ser herdada por seu filho.
Eles (clientes) aceitam bem, porque o meu preço é baixo. Tenho também uma boa freguesia que herdei do meu pai. O pessoal, inclusive, vem aqui trazer os produtos e diz que era aqui que a mãe ou o pai traziam os equipamentos, que foram eles que me indicaram. É muita nostalgia, conta o consertador, que tenta consertar qualquer eletrodoméstico que chegue em suas mãos. Não dá para dizer não ao freguês, emenda.
Para dar conta da alta demanda, contudo, Seu Miguel tem de se esforçar. Embora conte com a ajuda esporádica de um de seus filhos e do neto de 12 anos, a maior parte do trabalho é ele mesmo quem faz, e fora do horário comercial. De noite fecho a porta, ligo o radinho e fico trabalho. Meia-noite, 1 hora da madrugada estou aqui fazendo as coisas. Minha esposa tem de me ligar e brigar para eu ir para casa, comenta, aos risos, o trabalhador.

… e também algumas dores de cabeça

Se trabalho e cliente não faltam ao Seu Miguel, por outro lado sempre há as exceções, no caso aqueles clientes que deixam seus eletrodomésticos para conserto, mas não aparecem para buscar o produto após o conserto. De cada 10 trabalhos feitos, o consertador estima que apenas em três os clientes voltam para buscar o produto e pagar pelos serviços prestados.
O que eu gasto de telefone… O pessoal traz e não vem buscar. Eles vão na Casa Bahia, esses lugares assim, veem o produto barato, compram um novo e largam aqui o que tinham deixado para arrumar, explica Seu Miguel. Estou pensando em vender tudo o que está por aqui porque não tem mais onde colocar. Um padre até ofereceu para colocar tudo a venda num bazar, mas ainda estou pensando. Tem produtos que estão aqui há seis meses, um ano. É uma falta de consideração, lamenta o consertador.
Eu vim ficar com meu pai na loja 17 anos atrás, quando me aposentei. Ele já estava com 87 anos e gostava muito daqui. E eu acabei vindo para cá e fui ficando, fui ficando, e estou até hoje. Então o negócio foi de pai para filho, mas deve parar por aqui. Eu tenho três filhos, mas nenhum deles quer continuar fazendo isso, diz