AMANDA RIBEIRO, ENVIADA ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – “Escrevo para não desperdiçar a minha vida. Seria uma vida sem viver, uma vida mal aproveitada. Para mim, escrever é uma questão de vida ou morte”, afirmou a escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida na mesa Pontos de Fuga da Flip nesta quinta-feira (27).
Na verdade, não só para Djaimilia, mas também para Natalia Borges Polesso e Carol Rodrigues, as outras duas jovens autoras convidadas a participar da mesa, escrever, mais do que uma profissão, é uma necessidade.
As autoras reconheceram, no entanto, que essa necessidade só pode nascer no momento em que se acumulam alguns privilégios. “Eu escrevo primeiro porque posso escrever. Tenho condições de sustentar esse meu vício com outra profissão, que é a de professora. É como [a escritora] Virginia Woolf disse: ‘A gente escreve porque pode, e isso não é banal'”.
O objetivo do debate foi discutir os caminhos criativos e as experiências das três autoras que, apesar de terem publicado poucos livros, já tiveram seus trabalhos reconhecidos por prêmios como o Jabuti e o Clarice Lispector. A mesa foi mediada pelo professor da Paris-Sorbonne Leonardo Tonus.
Durante o evento, as autoras foram convidadas a ler trechos de suas obras e debater temas relacionados às suas experiências, como a intersecção entre a literatura e a escrita acadêmica. As três escritoras têm formação universitária; Natalia é doutoranda em teoria da literatura pela PUC-RS e Carol é mestre em estudos de performance pela Universidade de Amsterdam.
As autoras demonstraram ter relações muito diferentes com a escrita na universidade. Enquanto Natália disse que deixa transparecer em seu texto acadêmico algumas notas literárias, Djaimilia diz ter sofrido um sério bloqueio criativo durante a universidade.
“Entrei na universidade porque queria ser escritora, mas a universidade destruiu minha vontade de escrever. Ao tentar escrever, percebi que não sabia o que fazer com tanta liberdade. Ter uma página em branco e poder fazer tudo é uma sensação paralisante”, diz.
Algo que as três escritoras mostraram ter em comum no momento em que leram trechos de suas obras, no entanto, é a temática da invisibilidade e da busca pela identidade.
Em “Amora”, vencedor do Prêmio Jabuti em 2016 na categoria “Conto”, Natalia explora os padrões do feminino e relacionamentos homossexuais entre mulheres.
Em “Esse Cabelo”, vencedor do Prêmio Novos – Literatura 2016, Djaimilia replica sua história e a de milhares de outras mulheres negras ao narrar a relação de uma menina com seus cabelos crespos.
Em um dos contos de “Sem Vista para o Mar” (2015), Carol apresenta um menino que sai de casa tentando repetir a sensação que experimentou ao beijar outro garoto pela primeira vez.
Além de falarem sobre novos projetos -Carol acabou de lançar uma novela digital e Natalia está trabalhando em um novo romance- as autoras também discutiram influências e o significado do que é ser escritora.
“O escritor Ricardo Piglia diz em um de seus textos que, quando aprendeu a ler, também aprendeu a ficar quieto. Escrever é, então, criar essa quietude, é criar e compartilhar esse silêncio”, afirmou Carol.
FRUTO ESTRANHO
A mesa foi precedida de uma intervenção artística da poeta e tradutora Josely Vianna Baptista, que apresentou o vídeo-poema “Nada Está Fora do Lugar”, inspirado nas migrações proféticas em busca da “terra sem mal” e em episódios de etnocídio, principalmente dos povos guaranis.
Josely é autora do livro “Roça Barroca” (2011), em que traduz pela primeira vez para o português três poemas sobre a concepção do universo mbyá-guarani e resgata através de poemas originais a história dos povos ameríndios.
A intervenção de Josely inaugurou a série Fruto Estranho, novidade desta edição da Flip. Além da poeta e tradutora, outros cinco autores foram convidados pela curadoria do evento para apresentar intervenções poéticas e performáticas individuais antes de mesas da programação principal no Auditório da Matriz.