MAURÍCIO MEIRELES, ENVIADO ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Foi em tom de papo na varanda, porém consistente, o encontro entre o historiador Luiz Antonio Simas e a crítica literária Beatriz Resende na tarde desta sexta (28), na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Os dois se reuniram para discutir os subúrbios de Lima Barreto.
Simas já começou arrancando risos da plateia, ao contar que ele e a companheira de mesa haviam tomado um “golinho de cachaça” na sacristia antes de entrarem. “Só para quebrar o gelo!”, disse.
O ponto alto da mesa foi quando o jornalista Guilherme Freitas, mediador do encontro, perguntou aos dois como Lima Barreto se relacionava com a religiosidade dos subúrbios onde vivia.
Simas, que tem uma relação profunda com as religiões afro-brasileiras, lembrou que o autor homenageado viveu o surgimento da umbanda, no começo do século 20 -e descrevia a convivência entre as fés.
A plateia riu quando o historiador contou um causo. Seu Sete da Lira, entidade de umbanda, apresentava-se certa vez no Programa do Chacrinha. Scila Médici, mulher do general Emilio Garrastazu Médici, presidente do país, assistia em sua casa.
“Dizem que a dona Scila recebeu uma pombagira na frente da televisão, porque o Seu Sete fez uma magia! Acho que foi depois disso que começou a censura à televisão”, brincou ele, antes de cantar uma música usada para saudar a entidade.
“Mas o Seu Sete era católico. As sessões de macumba começavam com uma Ave Maria.”
Simas denunciou ainda o que vê como uma devastação das “macumbas cariocas”, porque certos segmentos evangélicos teriam declarado guerra a elas -o que ele vê como uma disputa “pelo mercado religioso”.
Já Beatriz Resende aproveitou o assunto para contar que Lima tinha “horror à religião”.
“[Horror] especialmente à palavra”, disse olhando para cima, fazendo a plateia rir de novo.
“Como anarquista, ele achava que a religião desviava a atenção do povo de seus problemas e das coisas prazerosas.”
Nessa hora, foi interrompida por Simas.
“Já cantei ponto do Seu Sete, tomei cachacinha, agora a Beatriz fala isso!”, afirmou.
Com grande entrosamento, os dois passaram por temas saborosos da trajetória de Lima, como sua aversão ao futebol ou ao carnaval.
“Essa aversão está ligada ao ideário anarquista dele. Nos fins de semana, dia das reuniões dos anarquistas, uma fábrica organizava uma partida de futebol”, explicou Resende, lembrando que o racismo do futebol no começo do século 20 também o indignava.
Lima não viveu para ver a ascensão dos negros no esporte bretão.
“Acho que ele estaria horrorizado com o futebol hoje. O esporte acaba virando um mecanismo de ascensão sócia de camadas excluídas [depois], mas agora vemos um processo inverso”, disse Simas.
O historiador ainda deu uma resposta contundente ao ser questionado sobre qual ideia de Lima considerava a mais poderosa.
“Ele tensiona esse mito do carioquismo maneiro, a tentativa da construção de uma cidade maravilhosa. O símbolo do Rio de Janeiro é um pedaço de pau, que dá no corpo, mas também no couro do tambor, inventando a vida a partir do som”, disse.
Os dois criticaram um “apagamento” da memória dos subúrbios, lado esquecido da província carioca, região para a qual o Cristo Redentor fica de costas.