IARA BIDERMAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma caixa branca delimitada por colunas e bolas suspensas no teto é o espaço cênico criado por William Pereira para que Pulcinella e Arlecchino, os personagens mais importantes da Commedia dell’Arte, e seus amigos, inimigos e amantes brilhem. Os dois protagonista dão os nomes às obras do espetáculo que estreia neste sábado (19) no Theatro São Pedro, em São Paulo.
Para dar vida ao balé do russo Igor Stravinsky (“Pulcinella”) e à ópera do italiano Ferruccio Busoni (“Arlecchino”), dois corpos artísticos do Estado de São Paulo trabalham juntos pela primeira vez: a Orthesp (orquestra do Theatro São Pedro) e a SPCD (São Paulo Companhia de Dança).
“É uma delícia ver essas linguagens (dança, canto, instrumentos musicais) dialogando de forma harmônica. Nas artes, é importante cada grupo sair de seu nicho”, diz Pereira.
Cada um tem seu espaço (“Pulcinella” é mais balé, “Arlecchino”, mais música), mas todos compartilham o palco. “Cada apresentação é diferente, mas o bailarino não pode dar um passinho a mais, senão pisa no pé do tenor”, diz Inês Bogéa, diretora artística da SPCD.
Seriam coisas que os dois protagonistas, arquétipos da malandragem napolitana, fariam tranquilamente. Na ficção, roubam de pirulito da boca da criança à mulher do próximo.
A escolha de duas obras baseadas na “Commedia dell’Arte”, além de dar unidade temporal-geográfica ao espetáculo, também foi um desejo de “apresentar algo mais recente, ligado às vanguardas do século 20”, diz Paulo Zuben, diretor artístico-pedagógico da OS (Organização Social) gestora do Theatro São Pedro e da Orthesp.
A Comedia dell’Arte, surgida na Itália no final do século 15, é “violentamente antiacadêmica, generosamente contestatória”, segundo o diretor e cenógrafo Gianni Ratto (1916-2005).
O espírito foi mantido nas criações inspiradas pelo gênero. Quando o balé “Pulcinella” estreou, em 1920, os cenários ficaram a cargo de Pablo Picasso.
Já “Arlecchino” pode ser chamado de anti-ópera, segundo Pereira. “A obra brinca com as convenções operísticas e seus clichês, como o tenor vedete”, diz o diretor.
A brincadeira e o erotismo sutil foram elementos usados por Giovanni Di Palma para criar as coreografias. Ele se inspirou na juventude dos bailarinos da companhia, para a qual trabalha desde 2011, na elaboração das danças e movimentação cênica.
Di Palma também encontrou elementos em sua própria biografia para criar o balé. “Já fiz cabaré na vida”, conta. E tem mais: o coreógrafo, que há quatro anos é responsável pela coordenação de ensaios e manutenção de repertório da SPCD, é napolitano.
COWORKING
O “coworking” entre a SPCD e a Orthesp, além de possibilitar trocas artísticas, é também uma forma de superar crises e viabilizar produções em tempos de dinheiro escasso para a cultura.
Com um corte de mais de 40% em seu orçamento desde o ano passado, a verba da SPCD para três criações (metas obrigatórias) em 2017 foi de R$ 432.125, segundo a página Transparência do Governo do Estado. Dá pouco mais do que R$ 143.000 por obra, menos do que o programa municipal Fomento à Dança de 2017 destinou à cada criação contemplada (R$ 250.000).
A parceria com a Santa Marcelina Cultura, que assumiu a gestão do Theatro São Pedro em maio, possibilita à companhia de dança aumentar o número de estreias e apresentações no ano.
A SPCD entrou com a equipe artística e técnica e a Santa Marcelina arcou com os custos da montagem, orçada em cerca de R$ 500.000, segundo Zuben.
“Parcerias criativas são importantes neste momento de restrições orçamentárias. Uma produção bem realizada como esta pode trazer novos patrocinadores, inclusive da iniciativa privada, e o plano é ter cada vez mais esse tipo de apoio”, diz Zuben.
A gestão do Theatro São Pedro e de sua orquestra foi transferida em maio para a Santa Marcelina Cultura, depois do cancelamento do contrato com a antiga gestora, a Pensarte, por denúncias de favorecimento no processo de seleção. Em dezembro será feita nova convocação para renovação do contrato de gestão.