LEONARDO NEIVA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar de ter levado 14 anos para concluir o documentário “Um Filme de Cinema”, o diretor Walter Carvalho ainda não se declara satisfeito com a quantidade de filmagens que fez.
“Por mim teria continuado filmando uma vida inteira, porque é um filme sobre cinema, que não tem fim”, diz. “No começo, financiei tudo do meu próprio bolso, até que não deu mais. Então tive que fazer um contrato e, para não ser processado, acabei o filme.”
O cineasta participou nesta terça-feira (22) de um debate, ao lado do crítico Amir Labaki, após a pré-estreia do filme no Espaço Itaú do Shopping Frei Caneca, promovida pela Folha. A conversa foi mediada pelo repórter da “Ilustrada” Guilherme Genestreti.
A partir de um cinema em ruínas no interior da Paraíba, o documentário faz uma reflexão sobre a produção cinematográfica, com depoimentos de cineastas como os brasileiros Karïm Ainouz e Júlio Bressane, o chinês Jia Zhang-Ke, a argentina Lucrecia Martel e o húngaro Béla Tarr, entre outros.
Para Labaki, o filme não está preocupado em contar uma história do cinema ou em retratar os artistas documentados, cujos nomes só aparecem nos créditos finais.
O objetivo seria mostrar “o amor passivo ao cinema e a dimensão principal, que é a do fazer cinema, o amor ativo pela arte”.
O filme constrói relações entre os depoimentos de seus cineastas, fazendo com que, por exemplo, o diretor americano Gus Van Sant comente os filmes de Béla Tarr, que teriam mudado sua forma de fazer cinema.
“As respostas vão estabelecendo diálogos entre pessoas que não estão conversando e nem nunca se viram. Às vezes essa relação acontece por afinidade, às vezes por oposição”, disse Carvalho.
O diretor se declarou frustrado por não ter conseguido entrevistar alguns dos cineastas que admira, como o húngaro László Nemes, de “O Filho de Saul”, o alemão Wim Wenders, de “Asas do Desejo”, e o americano Jim Jarmusch, de “Estranhos no Paraíso”.
“Eles não me disseram não, mas me pediram um tempo para fazer a entrevista. Se não tivesse fechado um contrato, continuaria o filme com essas pessoas.”
Carvalho também disse não ter nenhum pudor em alterar a realidade para mostrar aquilo que deseja. Um dos exemplos, que aparece no filme, foi a tentativa de dirigir Tarr em cena, pedindo para que ele depositasse no cinzeiro o cigarro que estava fumando.
O cineasta se negou, afirmando que, para fazer isso, ele deveria procurar um ator, e não um diretor.
A ideia inicial para “Um Filme de Cinema”, segundo Carvalho, era usar somente cenas cortadas de outras produções. Ela se mostrou inviável, porque a maior parte dos negativos não utilizados se perdeu ou acabou incinerada.
O diretor disse sentir uma fascinação por tudo aquilo que não aparece nos filmes.
“Em um filme de duas horas, você simplesmente não viu nada durante metade do tempo, porque a passagem de um fotograma para o outro é escura. Nesse tempo você sonhou. Grande parte do que você guarda de um filme é aquilo que enxergou no escuro.”