CAROLINA VILA-NOVA, ENVIADA ESPECIAL
ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Quando os alemães forem às urnas no domingo (24), eles receberão uma célula com duas opções de voto: uma para um candidato distrital e outra para um partido. Isso porque a Alemanha possui um sistema conhecido como voto distrital representativo personalizado.
No primeiro voto, o “Erststimme”, o cidadão escolhe o candidato de sua preferência em seu distrito para representá-lo na câmara baixa do Parlamento (Bundestag).
A chanceler Angela Merkel que concorre à reeleição pela quarta vez, aparece apenas na cédula de seu distrito, de Stralsund/Rügen, onde ela concorre diretamente por seu partido, União Cristã Democrata (CDU). Desde a Reunificação, em 1990, ela vence ali.
Seu nome não aparece, porém, em uma cédula nacional. Tampouco o de seu principal rival, Martin Schulz, do Partido Social-Democrata (SPD).
O primeiro voto elege diretamente 299 cadeiras do Bundestag. Para preencher as demais 299 cadeiras, o eleitor emite seu “Zweitstimme”, ou segundo voto. Este vai para um partido político em vez de para um candidato e determina a proporção que cada legenda terá no Bundestag.
Isso estimula o eleitor a pensar estrategicamente e votar de acordo com o tipo de coalizão que ele espera ver formada no novo governo.
Se a CDU é o partido mais forte, ele pode, por exemplo, votar no partido Verde para aumentar as chances de essa legenda estar no governo.
Outra peculiaridade é que um partido pode obter mais cadeiras por meio do primeiro voto do que teriam direito pelo segundo voto. Como cada candidato que vence em um distrito tem assento garantido, o partido fica com assentos extras. Para compensar, os demais partidos também obtêm vagas a mais.
O resultado é que o Bundestag pode extrapolar seu número oficial de 598 assentos. A atual legislatura tem 630 representantes.
EFEITO NA CAMPANHA
O sistema afeta a campanha. Temas locais e nacionais se mesclam quando o candidato a chanceler precisa do voto direto em seu distrito.
Em visita recente a seu reduto eleitoral, Merkel –chanceler há 12 anos– participou de um projeto de leitura para cerca de mil alunos em um ginásio; depois, passou na feira do bairro, onde comprou tomate, ameixa e pepino, parando para falar com populares sobre os preços e incentivos à produção agrícola.
A um jornal local, teve de responder por que preferia passar as férias em Bolzano em vez de Rügen.
Em discurso à noite, retomou seus temas usuais. “A Alemanha precisa de segurança e estabilidade”, afirmou. “Vivemos tempos difíceis. Não podemos nos permitir experimentos.”
Cada partido cria apenas uma peça de propaganda de 90 segundos (e uma versão reduzida) para a eleição inteira, e o número de vezes que essa propaganda vai ao ar é proporcional ao número de votos que o partido obteve nas eleições anteriores.
No pleito de 2013, a CDU veiculou sua propaganda em canais de TV privados 140 vezes, contra 176 do SPD. Já o Die Linke teve quatro aparições nos dois principais canais na campanha inteira.
“Na Alemanha a grande figura das eleições ainda são os pôsteres. Isso e os encontros políticos. Sobretudo nesta reta final, todos candidatos estão na rua, falando com as pessoas”, explicou Sudha David-Wilp, especialista do German Marshall Fund.
Entre quarta (20) e a sexta (22), Merkel faria comícios em oito cidades diferentes.
O corpo-a-corpo é feito de maneira quase espontânea. É comum candidatos se posicionarem numa esquina de um bairro e simplesmente conversarem com quem passa. Não há, na Alemanha, “microtargetting” –a tática de criar peças de propaganda e discursos específicos para cada nicho do eleitorado.
Há lugares fixos para pôsteres e é comum os de candidatos a chanceler coabitarem a parede dos de representantes locais de outro partido.
O custo das campanhas também é baixo: o governo federal e mensalidades de membros dos partidos pagam a maior parte das despesas, enquanto doações individuais e de empresas compõem um terço dos custos.
Não há limite para doação privada, mas contribuições acima de € 10 mil (R$ 37,4 mil) devem ser identificadas.
Nas últimas eleições, em 2013, o SPD fez a campanha mais cara, € 23 milhões, seguido pela CDU, com € 20 milhões. Lembrete: esses valores são distribuídos entre todos os candidatos combinados, inclusive os líderes, candidatos a chanceler.
No Brasil, em 2014, a campanha do PT consumiu R$ 1,1 bilhão e a do PSDB, R$ 1 bilhão, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (ou R$ 1,3 bilhão e US$ 1,2 bilhão em valores corrigidos — € 350 milhões e € 320 milhões).
Outra regra importante é a cláusula de barreira: partidos que deixem de obter 5% do voto nacional ou consigam menos de três cadeiras no voto direto são excluídos do Parlamento, e a participação dos demais é recalculada. A ideia é que grande fragmentação partidária evita o consenso e provoca instabilidade.
Ela acaba por ter um efeito direto na formação das coalizões, quando um dos parceiros tradicionais de coalizão é barrado. Neste ano, a expectativa é que sete partidos, entre eles o FDP e o AfD (direita populista), entrem no Parlamento, número recorde.
“Sempre foi para ser um sistema multipartidário, e a tradição pós-Segunda Guerra tem sido governo de coalizão, com o consenso construído por dois partidos, um maior e outro menor. Mas nos últimos tempos o cenário se fragmentou”, diz David-Wilp.
“Os maiores partidos, CDU e o SPD, se mesclaram no centro e suas identidades ideológicas também, deixando um vácuo que permitiu que grupos nas margens da direita e da esquerda começassem a ter mais apelo a suas bases.”
No máximo um mês após a eleição, coalizões formadas, o Parlamento elege chanceler o líder do principal partido. Não há limite de mandatos. Helmut Kohl (1982-98) é, por ora, o recordista.