GUILHERME GENESTRETI, ENVIADO ESPECIAL
CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Disfarçado, com um boné enterrado na cabeça, Robert Pattinson tentou passar incólume numa penitenciária nova-iorquina. “Ei, é a porra do ator do ‘Crepúsculo’!”, exclamou um detento, que o fitava de rabo de olho. Ao carcereiro incrédulo, o ator inglês desconversou: “Eu não faço ideia do que ele esteja falando”.
Para filmar o longa “Bom Comportamento”, que tem Pattinson no papel de um assaltante encrencado, a equipe de produção rodou por locações reais em Nova York, especialmente áreas mais depauperadas da cidade, para dar ar mais “sujo” ao longa.
O resultado é uma obra que remete à Nova Hollywood, onda que oxigenou a produção americana a partir do fim dos anos 1960 com filmes mais ousados ou que tinham um aspecto mais “de rua”, caso de “Taxi Driver” (1976), de Martin Scorsese, e “Um Dia de Cão” (1975), de Sidney Lumet.
Diretores de “Bom Comportamento”, que estreia nesta quinta (19), os irmãos Benny e Josh Safdie discordam de que tenham buscado fazer um longa nostálgico, entretanto. Eles falaram com a Folha durante o Festival de Cannes, onde o filme competiu pela Palma de Ouro, em maio.
“Meus filmes favoritos vêm daquela época, mas o nosso é uma obra contemporânea”, diz Josh, 33, o primogênito. Benny, 31, completa: “Gostamos da estética, mas, se há algo em comum é que nós, como os diretores daquela era, também buscamos filmes em que arte e entretenimento não sejam excludentes”.
Além de diretor, Benny também atua em “Bom Comportamento”. Ele interpreta Nick Nikas, o irmão com algum grau de transtorno mental de Connie (Pattinson). No começo do filme, ambos realizam um assalto a banco, arquitetado por esse último, que dá errado e termina com Nick indo parar na cadeia.
Connie, então, tem somente uma noite para arranjar o dinheiro da fiança, o que o levará a uma espiral de mais crimes, enquanto Nick pena entre os outros presidiários.
Embora seja o polo manipulador da relação fraternal, Connie se mostra inusitadamente afetivo em sua cruzada por tirar o irmão da prisão.
“Não acho que seja uma contradição”, afirma Pattinson à reportagem. “O que Connie ama no irmão é o fato de que ele não julga, nunca está pensando em nada.”
“Bom Comportamento” é mais uma tentativa do ator de 31 anos de se livrar da imagem de galã teen que ele ganhou ao interpretar o vampiro Edward em “Crepúsculo” (2008) e contra a qual ele luta desde que caiu nas graças do cineasta David Cronenberg, em “Cosmópolis” (2012).
Pattinson diz que tem ressalvas quanto a voltar a fazer produções comerciais um dia. “Hoje em dia qualquer filme de super-herói te exige uns dez anos de dedicação.”
GERAÇÃO RESMUNGO
Com cabelo ensebado e descolorido, seu personagem ronda as ruas em que os próprios Safdie cresceram, no Queens, o menos fotogênico dos distritos nova-iorquinos.
Vai parar no parque de diversões em que Josh viu a primeira briga de sua vida e topa com trombadinhas parecidos com aqueles com que o primogênito Safdie diz ter andado na adolescência e que o ligavam para tirar da cadeia.
Os mesmos tipos -“junkies”, bandidos e desajustados de toda sorte- pululam na filmografia dos irmãos Safdie.
“Somos obcecados pela ideia do agora”, afirma Josh. “Quando se comete um crime, o tempo para. Não sei por que, mas acho lindo isso”, diz o cineasta, que afirma ter roubado um carro aos 15 anos.
A obra dos irmãos diretores ainda é pouco conhecida no país. Apenas “Amor, Drogas e Nova York” (2014), sobre uma viciada em heroína, estreou nos cinemas brasileiros.
Mas, no circuito indie americano, a dupla já havia chamado atenção por sua filiação ao “mumblecore” (“mumble” é resmungo), movimento de estética naturalista, diálogos improvisados e produções de baixo orçamento.
Embora até pareça, “Bom Comportamento” não foi filmado em ritmo de guerrilha, salvo as cenas feitas dentro do presídio, rodadas com atores recém-saídos da cadeia.
“Mesmo dentro de um ambiente controlado gostamos de estar abertos ao imprevisível”, diz Benny. “O roteiro pedia uma briga, mas a reação dos ex-presos não foi ensaiada. Sentiram-se fortalecidos.”