Bullying sempre existiu. Se você tem mais de 30 anos sabe bem disso. Em toda sala de aula ou na turma da rua tinha o quatro olho, o rolha de poço, o pintor de rodapé, o albino, o negão, o CDF, o cabelo Bombril ou pixaim, e tantos outros apelidos indelicados. Não é novidade. Aliás, hoje se eu chamar alguém de negão corre o risco de responder a um processo. Na minha infância, o negão era um dos meus melhores amigos.
Os que não chegaram aos 30, perguntem aos seus pais se não era assim. No dicionário desde 2010, o bullying significa textualmente: forma de violência que, sendo verbal ou física, acontece de modo repetitivo e persistente, sendo direcionada contra um ou mais colegas, caracterizando-se por atingir os mais fracos de modo a intimidar, humilhar ou maltratar os que são alvos dessas agressões.
Isso sempre existiu e nunca foi, não é e nem será motivo para matar alguém. O bullying voltou com força ao noticiário depois que um estudante em Goiânia assassinou dois colegas na sala de aula a tiros e feriu outros quatro. Imediatamente o bullying passou a ser a causa do ataque bárbaro dentro do Colégio Goyases. Como se isso fosse motivo para um jovem pegar a arma dos pais, ambos policiais militares, e disparar contra os colegas de classe. A matança poderia ser ainda muito pior. O atirador já declarou à polícia ter se inspirado em outros ataques cujas vítimas eram estudantes – em especial no de Columbine, nos Estados Unidos.
Ninguém, obviamente, gosta de ser zoado. Mas, ao mesmo tempo, uma gozação não pode em hipótese nenhuma justificar um crime tão bárbaro. Este menino precisa passar por exames médicos e necessita de um acompanhamento psicológico. A atitude dele vai muito além do bullying. Não se quer aqui, obviamente, passar a impressão de que esta intimidação é normal e deve ser aceita. De forma alguma. Mas jamais deve se atribuir ao bullying a explicação para a morte de dois jovens que começavam a vida, um deles apontado como um dos melhores amigos do atirador. O único erro deles foi ter ido à aula naquela fatídica sexta-feira.
Nem a escola e nem mesmo o pai, perplexo, do atirador – que depôs nesta semana enquanto a mãe em choque seguia hospitalizada – alegaram ter recebido alguma notícia anterior sobre agressões verbais ou físicas contra o filho. Uma das inúmeras análises pós-ataque tratou a reação do garoto como uma forma deturpada dos jovens hoje em dia tratarem as frustrações em geral.
A morte no Brasil e no mundo está banalizada. Mata-se por R$ 5. Por um punhado de droga. Por um aparelho celular. Histórias não faltam e, infelizmente, estão aí nos jornais e nas televisões todos os dias.
Bullying não pode e não deve explicar a morte de João Vitor Gomes e João Pedro Calendo, com idades entre 10 e 12 anos. Para a família dos Joãos a tragédia está consumada. E a esta altura pouco importa a causa. Seja qual for a forma de violência, sendo verbal ou física, jamais vai explicar a morte de duas crianças. A consequência é uma dor sem tamanho e uma sensação de impotência que vai além de qualquer justificativa. Afinal de contas os dois meninos só foram à aula – em mais um dia do ano letivo. É preciso ir além do bullying, pois esta não é e não pode ser a causa de um duplo homicídio.