EVERTON LOPES BATISTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A história de Ely, jovem de 17 anos que descobre uma gravidez indesejada, contada no filme argentino “Invisível” (2017), expõe os riscos da falta de diálogo sobre sexualidade com adolescentes, que marca as relações com jovens também no Brasil.
Segundo Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, que atua no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, o desamparo enfrentado pela protagonista é visto com frequência nas periferias do país.
No longa e na realidade, ter um filho pode ser visto como uma esperança de conforto em uma sociedade na qual muitas adolescentes, principalmente mais pobres, são marginalizadas, diz Luciana.
“[Engravidar] é um jeito de buscar legitimidade. Ela vai ser querida e cuidada até o nascimento do bebê pelo menos”, afirmou Ellen Vieira, obstetriz do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.
As duas especialistas participaram de um debate após a pré-estreia do filme, organizada pela Folha de S.Paulo, na última terça-feira (6), em São Paulo. Pablo Giorgelli, diretor de “Invisível”, também fez parte da discussão mediada pela jornalista Sabine Righetti.
FALTA EDUCAÇÃO
Cerca de 20% das crianças nascidas no ano de 2015 no país são filhos de mães adolescentes (com idades entre 10 e 19 anos), de acordo com os dados mais recentes do Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos) do Ministério da Saúde -quase 70% dessas gravidezes são indesejadas.
“É comum ver a gravidez como uma responsabilidade da mulher, mas quem ensina os meninos sobre o assunto?”, questionou Ellen. “Falta educação em sexualidade e saúde.”
Para Luciana, a grande dificuldade está no atual sistema de educação brasileiro. “É [um sistema] totalmente falido e inadequado para falar sobre esse assunto com o adolescente”, afirmou.
“A informação não faz sentido nessa linguagem usada hoje. Precisamos achar uma forma de falar com os jovens.” No longa, a protagonista é moradora de um conjunto de apartamentos populares no bairro da Boca, em Buenos Aires, lugar onde o cineasta cresceu.
Durante o debate, Giorgelli explicou que a origem do filme é o olhar sobre a condição da adolescência na Argentina. Para entender o contexto, o diretor conta que fez diversas pesquisas sobre a gravidez precoce durante o processo de produção. “Na minha investigação, vi que os índices de gravidez eram maiores entre meninas mais pobres. Quis mostrar as dimensões política, social e econômica porque elas têm consequências diretas sobre pessoas como Ely. Quis também chamar atenção para a “solidão, o desamparo e a busca pela identidade que marcam esse período da vida”.
ABORTO
Segundo os debatedores, a criminalização do aborto impede que as mulheres tenham acesso a procedimentos seguros, expondo-as a inúmeros riscos.
A dúvida de Ely em “Invisível” sobre a manutenção da gravidez também é a preocupação com a sua própria saúde. Na Argentina, assim como no Brasil, o aborto é crime e só é permitido se a gestante correr risco de vida ou se a gravidez for resultado de estupro.
“A lógica proibicionista não funciona. Devemos ter um atendimento mais eficaz e uma política pública mais transparente para ajudar as pessoas a decidirem”, concluiu Luciana.