FERNANDA CANOFRE
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Wole Soyinka não sabia como marcar a celebração pela possível aproximação do fim da era Robert Mugabe na Presidência do Zimbábue. Uma das vozes a denunciar as violações do regime que durou 37 anos, o escritor nigeriano espera pela notícia há anos.
No último sábado (18), em Porto Alegre, ao receber o título de doutor honoris causa concedido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele disse que havia encontrado ali o palco certo para comemorar.
Aos 82 anos, o autor de “O Leão e A Joia”, que se tornou o primeiro africano negro a receber o Nobel de Literatura em 1986, exibe barba e cabelos brancos.
Soyinka, que deve participar em 2018 da Bienal do Mercosul, na capital gaúcha, conversou com a reportagem sobre a crise política mais recente na África. Justificou também a decisão de deixar os Estados Unidos após a vitória de Donald Trump.
“Tirano” e “desgraça” foram algumas das definições usadas pelo escritor nigeriano para se referir ao governo Mugabe. Ele se diz contrário à intervenção militar que busca forçar o ditador a renunciar. Os regimes, na visão de Soyinka, devem ser mudados de maneira pacífica.
“Mas o povo do Zimbábue tentou várias vezes fazer isso, e Mugabe usou métodos militaristas, por décadas, para matar a oposição, atacar e destruir até mesmo seus antigos aliados”, lembra o escritor.
“No que me diz respeito, alguém assim traiu o propósito coletivo da libertação. Ele merece o que receber agora.”
RECADO À AFRICA
O efeito na África da provável saída de Mugabe será, na avaliação do escritor, o de deixar “uma lição para [os governantes] que ainda tentam se agarrar ao poder”.
“Incluindo aqueles que mentem para si mesmos, que chegaram ao poder por meios democráticos, mas hoje são piores e mais brutais que muitos ditadores militares.”
Como destinatários potenciais da “lição”, o Nobel citou o presidente do Togo, Faure Gnassingbé, que sucedeu o pai e “tem feito um governo brutal”. “Há outros que ainda fingem ser democratas, mas veremos o que acontece a eles.”
Soyinka se disse preocupado com a possibilidade de que houvesse uma passagem de bastão entre Mugabe e sua mulher, Grace, cerca de 40 anos mais nova.
“Pensei: ‘Algo tem que acontecer, pelo amor de Deus’. Saímos da cultura de dinastias, na África, por que isso tem que ser ressuscitado? É obsceno, é pornográfico, isso deve morrer.”
O escritor diz esperar que os países africanos se inspirem em exemplos positivos de combate à corrupção. Citou a Coreia do Sul e a deposição da presidente Park Geun-hye.
“Politicamente, em todo o mundo, tem de haver o entendimento de que certos indivíduos chegaram à custódia do poder. Eles não são donos do poder, nem representam-no”, afirma Soyinka.
TRUMP
Em janeiro, depois de anos vivendo nos Estados Unidos, ele cumpriu a promessa de rasgar seu greencard e deixar o país.
O escritor simplesmente se negou a viver em um país presidido por Donald Trump.
“Foi algo pessoal. Eu lido com essa luta, como pessoa negra, desde que era estudante na Inglaterra [nos anos 1950]. Eu visitava os EUA, acompanhava o movimento pelos direitos civis.”
Traição é a palavra a que ele recorre para descrever o sentimento despertado pela vitória do republicano.
“Senti que a diáspora de lá traiu a si mesma e foi traída. A traição não foi pessoal, mas de toda uma comunidade que permitiu que alguém cuja linguagem e políticas eram xenófobas fosse eleito”.
Na época, o nigeriano lembra que perguntava aos colegas como poderiam tratar aquela vitória como trivial. “É assim que demagogos chegam ao topo, com a cumplicidade dos outros.”
“Eu disse que rasgaria meu greencard se ele fosse eleito e assim o fiz. Ainda vou aos EUA, mas como visitante. Não queria mais fazer parte daquela comunidade. Simples assim.”