LETÍCIA CASADO E NATÁLIA CANCIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) voltou a discutir nesta quarta-feira (20) uma ação sobre o direto dos transexuais alterarem nome e gênero sem a necessidade de passar por cirurgia e sem que fique registrado o termo transexual nos documentos.
O ministro Marco Aurélio pediu vista (mais tempo para analisar o caso). Não há prazo para ele devolver o processo.
Relator da ação, o ministro Dias Toffoli defendeu a alteração desde que com autorização judicial. Sua posição foi acompanhada pelos colegas Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
Assim, não bastará ir ao cartório e pedir a alteração: a pessoa precisará entrar na Justiça para fazer a alteração, mas poderá fazer as alterações sem que os documentos façam qualquer referência à sua transexualidade e sem necessidade de cirurgia para alterar o sexo.
O caso chegou ao STF em 2012, quando um transexual recorreu contra decisão do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) que autorizou a mudança do gênero na identidade desde que a alteração também ficasse registrada.
A ação tem repercussão geral reconhecida –ou seja, vale para todas as instâncias do Judiciário.
“Não é o sexo do indivíduo, a identidade biológica que faz a conexão do sujeito com a sociedade, mas sim a sua identidade psicológica”, disse Toffoli.
Para Toffoli, a informação sobre a transexualidade no documento pode gerar discriminação e exclusão social. “Todo ser humano deve ter afirmada a plenitude dos seus direitos”, afirmou.
Ele defendeu o direito sobre o sigilo da informação.
Assim, nas certidões emitidas pelo poder público com o registro alterado não constará nenhuma observação sobre origem do ato, salvo requerimento do interessado ou determinação judicial.
JULGAMENTO
Alexandre de Moraes afirmou que é “extremamente constrangedor” para o transexual ter um nome do gênero oposto.
Para Fachin, é necessário compreender o outro. “É possível ver um elemento de resguardo à vida privada e outro às subjetividades. Para que cada um seja o que é e tenha o direito de sê-lo”, disse.
Barroso disse que a resignação de sexo “não se resume à genitália” e que há outras maneiras de assumir outra identidade de gênero, como mudança de vestimenta ou cirurgia de mama, por exemplo. Ele destacou que a cirurgia para mudar de gênero é invasiva e não está ao alcance de todos.
“Ser discriminado por uma condição inata é de uma crueldade, de uma falta de empatia, é não perceber que fazemos parte de uma unidade”, afirmou.
Rosa defendeu o direito pessoal em detrimento à expectativa da sociedade sobre o outro.
“Vale dizer: nas situações fáticas valoradas pelo direito, caracterizadas pelas diferenças entre os indivíduos, é que a igualdade incide como vetor interpretativo de resolução dos problemas jurídicos. E neste cenário, o direito ao tratamento igualitário, em consideração e respeito aos cidadãos, exige que a sexualidade e sua manifestação como expressão da dignidade da pessoa humana sejam assegurados, ainda que esse reconhecimento implique diferenças na forma de expressão dessa identidade de gênero em comparação com o padrão esperado pela sociedade”, disse a ministra.
“A solução constitucionalmente adequada, ao meu ver, está no reconhecimento do direito dos transexuais de serem tratados de acordo com sua identidade de gênero e não com a expectativa social sobre o sexo do cidadão”, afirmou.
Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes não participaram do julgamento.
Em sua vez de votar, Marco Aurélio reclamou do atraso no início da sessão e pediu vista do processo.
“Não há qualquer cobrança a não ser a mim mesmo, que insisto em chegar ao tribunal às 13h45 para a sessão marcada para as 14h. E no dia de hoje, e eu falo isso para que fique nos anais do Supremo, no dia de hoje nós batemos recorde. Começamos a sessão com o atraso de uma hora”, afirmou.
Ele é relator de outra ação sobre o tema, que seria discutida em conjunto com o recurso debatido nesta quarta. Porém, a outra ação precisa de quórum mínimo de oito ministros para ser julgada, número que não havia sido alcançado no início da sessão.