A contribuição da cultura africana para Curitiba é muito profunda e antiga. O primeiro curitibano retratado na história é um trabalhador negro, mestre na arte da cantaria, na ilustração do francês Debret, de 1827. Os escravizados chegaram em Curitiba a partir do século 17 e no fim do século 18 a população de pretos e pardos na capital paranaense era superior a 40%, segundo estimativas e, em sua maioria, libertos. Desde o início do povoado até os tempos mais modernos, diversos personagens se esforçaram para tornar essa história ainda mais rica. A lista dos afrodescendentes que nasceram ou tiveram passagens importantes em Curitiba é grande.

O assessor de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Curitiba, Adegmar Silva Candiero, destaca dez ícones importantes para a memória de Curitiba:

Maria Águeda

Maria Águeda é uma personagem recentemente conhecida da cidade e sua história tem poucos registros. Conta a história que, na Curitiba do século 19, Maria teria se recusado a obedecer a uma ordem da esposa do capitão-mor da vila. A sua firmeza fez com que fosse presa, mesmo estando grávida e sendo uma mulher livre. O caso causou comoção na sociedade curitibana, tendo sido notícia em um grande jornal da época, e se tornou emblemático do preconceito por sua etnia e condição social.

João Pedro, o Mulato

Considerado como o primeiro cartunista do Brasil, não se sabe se João Pedro, o Mulato, nasceu em Curitiba ou Paranaguá. Foi, entretanto, na capital paranaense que trabalhou e morou a maior parte de sua vida, no início século 19. As caricaturas que produzia retratavam de forma satírica a vida colonial do Paraná e de Santa Catarina. Algumas de suas telas foram descobertas pelo filósofo curitibano Newton Carneiro em Lisboa, Portugal.

Zacarias

Poucos sabem, mas a história da libertação das correntes pela Nossa Senhora de Aparecida começa em Curitiba. No ano de 1857, o escravizado Zacarias teria fugido de Curitiba em direção ao estado de São Paulo. No entanto, a fuga foi malsucedida e Zacarias foi preso e algemado. Ao Passar pela Capela de Aparecida, Zacarias clama para Nossa Senhora Aparecida para que consiga escapar da terrível situação. Suas preces foram então atendidas e as correntes que o prendiam caíram. O capitão-do-mato, responsável pela sua captura, teria ficado tão impressionado que deixou Zacarias livre.

Vicente Moreira Freitas

Vicente foi um dos mestres de obras que ergueram a Igreja Matriz, que depois deu lugar à Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Luz. Nascido na África, chegou como escravizado ao Rio de Janeiro, de onde veio para Curitiba. Apesar dos poucos registros de sua história, sabe-se que trabalhou muito para comprar sua própria alforria. Vicente pertenceu à Irmandade de São Benedito, uma das ordens religiosas dos negros na cidade e foi um dos fundadores da Sociedade 13 de Maio, o segundo clube negro do Brasil.

Irmãos Rebouças

Nascidos na Bahia, os irmãos engenheiros André e Antônio Rebouças tiveram uma contribuição tão importante para a cidade que se tornaram parte dela. Hoje o bairro Rebouças presta homenagem ao seu legado. Os irmãos foram responsáveis por grandes obras como os estudos técnicos que tornaram possível a construção da estrada de ferro que liga Paranaguá a Curitiba. Na época, o projeto era visto como impossível de ser feito, o que os irmãos provaram estar errado. A conclusão da ferrovia foi um ponto determinante para tonar Curitiba a capital do Estado, tendo impulsionado sua economia.

Maria Nicolas

Maria Nicolas foi professora, escritora, poetisa, historiadora, contista, dramaturga, teatróloga, novelista, biógrafa, pesquisadora e pintora e uma amante de Curitiba. Formou-se professora aos 17 anos e no ano de 1912 substituiu a sua renomada mestra Júlia Wanderley, alfabetizando um grande número de alunos. Sua vida foi recheada de conquistas, tendo publicado os livros Almas das Ruas, Porque me orgulho de minha gente e Cem anos de vida Parlamentar e ainda recebido vários prêmios como de Professora do ano, da Academia Feminina de Letras do Paraná, Centro de Letras do Paraná, Centro Paranaense Feminino de Cultura, Medalha de Ouro – VII Jogos Florais de Curitiba e o Título de Vulto Emérito da Câmara Municipal de Curitiba.

Laura Santos

A poeta curitibana Laura Santos (1919-1981) tinha um estilo peculiar, sensível, pendendo entre o tom romântico e o erotismo. Foi uma das fundadoras da Academia José de Alencar, em Curitiba, casa que frequentava assiduamente para declamar e ouvir poesias. Publicou diversos de seus textos nos jornais da capital e lançou três livros: Sangue tropical, Poemas da Noite e Desejo. Seu jeito independente e o estilo poético vanguardista lhe renderam o apelido de Pérola Negra. Além de poeta, Laura era professora com formação em enfermagem, tendo atuado na Saúde Pública. Formou-se como sanitarista e prestou serviços na área da saúde, orientando comunidades sobre questões de higiene, imunização e cuidado aos bebês.

Pamphilo de Assumpção

João Pamphilo Velloso de Assumpção nasceu em Curitiba e graduou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo junto de outro ilustre afrocuritibano, Emiliano Pernetta, e Otávio do Amaral. Trabalhou por anos na capital paulista e por anos tendo conquistado grande destaque em sua profissão. Quando voltou ao Paraná, o Dr. Assumpção foi recebido com muita admiração e respeito. Foi o fundador e primeiro presidente do Instituto de Advogados do Paraná e responsável pela instalação da Seção Paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, da qual foi presidente entre 1932 e 1937. Também Fundador da primeira faculdade de Direito do Paraná e do Centro de Letras do Paraná, junto com Emiliano Perneta, em 1912.

Enedina Alves Marques

Enedina foi a primeira mulher negra no Brasil e primeira mulher do Paraná a se formar em Engenharia. Concluiu sua passagem pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná em 1945. Já formada e experiente contribuiu para uma das grandes obras do Paraná, a Usina Capivari-Cachoeira, hoje Usina Hidrelétrica Governador Pedro Viriato Parigot de Souza. Projetada nos anos 1950 e inaugurada em 1971, a complexidade da construção impressiona até hoje. É atualmente a maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país.

Saul Trumpet

Um dos precursores do jazz no Paraná, Saul da Silva Bueno nasceu em Bandeirantes e passou parte da vida no Rio de Janeiro até se mudar definitivamente para Curitiba, nos anos 1970. Teve uma carreira de mais de 50 anos dedicados ao trompete e à divulgação do estilo que amava. Foi proprietário do ‘Saul Trumpet Bar’, referência de boa música, onde se apresentaram os ícones da cena instrumental. Tocou com diversos músicos, entre eles Waltel Branco, Mauro Senise, Hermeto Pascoal, Leny Andrade, Arismar do Espírito Santo, Proveta, Hélio Brandão, Maurílio Ribeiro, sendo convidado a integrar o naipe de metais do renomado Ray Charles. Saul faleceu no primeiro dia de novembro de 2017, aos 74 anos.