Para os que estudam a história do Brasil e da América Latina, é clássica a reflexão acerca do Padroado ou Patronato. A organização das colônias e, no Brasil, do Império, definia a religião do estado e, especialmente, como e onde atuariam a religião e os seus líderes. Esse modelo persistiu, teoricamente, até a proclamação da República. No último dia 27 de setembro, tivemos a reimplantação deste paradigma nas escolas do Brasil, em decisão apertada da mais alta corte de nosso país.

O artigo 33 da LDB – Lei 9394/96, que trata do Ensino Religioso, teve a primeira alteração da LDB, exatamente pela questão que agora voltou à tona. Na primeira versão, de dezembro de 1996, era previsto um espaço-tempo, na escola pública, para cada organização religiosa ou um conjunto delas ocuparem seus fiéis com catequese ou formação religiosa específica, sem ônus para o estado. Na versão de julho de 1997, em consonância com o conceito constitucional, volta o Ensino Religioso a fazer parte da educação básica do cidadão (não do fiel), assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997). Mesmo em sintonia com as diversas organizações religiosas, o Ensino Religioso não será uma invasão das religiões na escola pública visando aprofundar conhecimentos específicos de seus membros já assumidos.

Os redatores do acordo entre o Brasil e a Santa Sé retomaram, praticamente, a redação original do artigo 33 da LDB, o que gerou a ação da Procuradoria Geral da República no sentido de impedir que o Ensino Religioso, nas escolas públicas, fosse loteado por religiões específicas e ministrado por representantes dessas confissões religiosas; evitar-se-ia que a escola pública se transformasse em extensão de cada uma das múltiplas tradições religiosas que, legitimamente, atuam no país. De um espaço de conhecimento e de convite ao diálogo, voltaria a ser a formação e doutrinação específica.

Trabalho há 31 anos com Ensino Religioso não confessional, em sala de aula e na formação de professores desta área de conhecimento. Acredito neste caminho educacional como construção das bases de uma sociedade mais dialógica, que assume as diferenças como riquezas da cultura construída, inclusive com as interfaces das experiências religiosas pessoais e coletivas. Não consigo imaginar a formação cidadã de nossas crianças e adolescentes sem um componente histórico e crítico acerca das construções de sentido para a vida –chamadas de tradições ou experiências religiosas – no espaço curricular do Ensino Religioso.

Mesmo atuando em instituições mantidas por entidades confessionais, quando meus alunos me perguntavam, depois de um ano de aulas de Ensino Religioso, qual era a minha religião, eu admitia: consegui ajudá-los a conhecer várias tradições e experiências religiosas numa perspectiva mais respeitosa, mais humana, com menos julgamento e mais acolhimento da diferença. Talvez seja esta a demanda desses tempos com tantos juízos, tanta violência, tanta discriminação, tanto ódio e desconhecimento.

Que a sociedade brasileira não admita retroceder em questões fundamentais já conquistadas, tanto em seu convívio social quanto no interior de suas escolas.

Professor Ascânio João (Chico) Sedrez é Mestre em Ciências da Religião e Diretor do Colégio Marista Glória