SYLVIA COLOMBO
CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO (FOLHAPRESS) – Durante os mais de 70 anos em que o PRI (Partido Revolucionário Institucional) governou o México —de 1929 a 2000—, uma prática foi celebrizada, a do chamado “dedazo” (indicação com o dedo, em tradução livre).
A expressão se refere ao modo autoritário como o mandatário que estava no comando apontava quem seria o candidato governista, sem que isso atravessasse processos internos e democráticos de seleção dentro do partido.
Em 70 anos de eleições muitas vezes marcadas por suspeitas de fraude por parte do PRI, o dia do “dedazo” acabava sendo, na prática, o da revelação pura e simples de quem seria o próximo presidente do México.
Algo parecido ocorreu na semana passada, quando o presidente Enrique Peña Nieto, em pronunciamento oficial, apontou José Antonio Meade, que ocupou várias pastas em seu governo, como o escolhido do PRI para a eleição de julho de 2018.
“Até aí, tudo segue como sempre foi quando o PRI ocupou o governo, mas o México mudou. E o sexênio [assim se referem os mexicanos a cada período presidencial, de seis anos, sem reeleição] Peña Nieto termina quando nunca na história recente do país um presidente esteve tão desacreditado”, diz à reportagem o cientista político John Ackerman, da Universidade Nacional Autônoma do México.
“Nem nos anos da crise econômica dos 1990, nem no auge da guerra contra os cartéis de Felipe Calderón (2006-2012) houve tamanho desgaste. Somos um país com tradição de manter a imagem do presidente forte até o final de seus mandatos”, afirma.
De fato, o índice de aprovação de Peña Nieto está em baixa, em torno de 17%. Seu sexênio teve um pouco de tudo: aumento na taxa de homicídios ligados ao combate do narcotráfico, queda do crescimento do PIB e o fim da ilusão chamada de “milagre mexicano”, massacres envolvendo autoridades civis e o Exército —como a de Ayotzinapa (em 2014, com o desaparecimento de 43 estudantes)—, imagens de valas comuns disseminadas pelo mundo todo e escândalos de corrupção envolvendo a família do presidente e membros da cúpula do governo.
NÃO POLÍTICO
A escolha de Meade como candidato governista responde a uma estratégia ousada do partido: apresentar um candidato do PRI que não pareça ser do PRI, ou seja, que pelo menos em aparência seja um “não político”, alguém não vinculado à ideia em baixa em toda a América Latina.
De fato, Meade não é filiado ao PRI, embora tenha integrado o governo Peña Nieto em postos-chave como o ministério da Fazenda e o das Relações Exteriores. Também tem formação acadêmica sólida, com especialização em economia na Universidade Yale e passa a imagem de um gestor pragmático.
“É uma escolha para iludir o eleitor de baixa renda, que acredita que Meade pode representar a possibilidade de um governo técnico e estável, pouco político, e que seja capaz de lidar com um Estados Unidos mais agressivo com relação a nós. Meade parece ser mais capaz de conseguir um bom acordo com o governo Trump”, afirma Miguel Barbosa, colunista do jornal “Milenio”.
Até o “dedazo”, as pesquisas de opinião davam a liderança na corrida eleitoral ao esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela sigla AMLO, que comanda o partido criado por ele, o Morena (Movimento pela Regeneração Nacional). Contra qualquer candidato priísta, antes do “dedazo”, López Obrador vinha ganhando por cerca de 15 pontos.
Duas vezes candidato derrotado à Presidência, AMLO ficou mais conhecido depois da eleição de 2006, ao não reconhecer o resultado que deu a vitória a Felipe Calderón, tomando as ruas e promovendo acampamentos no Zócalo —praça principal da capital mexicana.
“O que para o exterior pode parecer um comportamento exagerado e até antidemocrático não é o que seu eleitor vê”, afirma Ackerman.
“Ao contrário, num país em que houve tantos indícios de fraudes dos priístas, AMLO se perfila como um lutador pela democracia. Quem vota nele, admira justamente essa característica.”
Se na eleição de 2012, López Obrador tinha apresentado uma versão “paz e amor”, prometendo não agir no limite da desobediência civil, na atual campanha voltou ao discurso mais populista de esquerda, tentando arregimentar, com uma retórica nacionalista e anti-EUA, os que pensam que Peña Nieto está fazendo concessões demais ao presidente americano, Donald Trump.
“Trump vem falando mal dos mexicanos desde o início de sua campanha, e repetindo que quem vai pagar o muro na fronteira somos nós. Peña Nieto teve tempo de sobra para responder com firmeza e não o fez. Isso fortalece o voto em AMLO”, diz o jornalista mexicano-americano Jorge Ramos.