DANIEL BUARQUE
LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) – As ruínas de um prédio destruído pelo fogo no meio de um dos bairros mais ricos de Londres, há seis meses, se tornaram um marco da paisagem da capital britânica.
Ao contrário dos inúmeros cartões-postais da cidade, a torre Grenfell não traz nenhum orgulho da história britânica, entretanto, e se consolidou como um monumento à desigualdade marcante no Reino Unido.
O fogo que atingiu o edifício em 14 de junho deixou 71 mortos e escancarou as diferenças sociais do país como um problema muitas vezes ignorado no mundo desenvolvido. A maioria das vítimas era de classe baixa, por mais que o prédio estivesse localizado no bairro de Kensington e Chelsea, onde mora a elite.
Segundo um estudo do Parlamento, o nível de renda no bairro tem diferenças gritantes. Simplesmente atravessar uma rua pode levar de um lado com casas pobres para outro com casas de renda dez vezes mais alta.
Desde o incêndio, campanhas britânicas têm tentado levantar discussões sobre o tema e buscado formas para diminuir o problema das diferenças sociais na cidade.
O episódio “aumentou a conscientização dos britânicos a respeito das desigualdades e as consequências das medidas de austeridade do governo”, afirmou à reportagem o professor David Fee, da Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris.
Fee é editor do livro “Inequalities in the UK: New Discourses, Evolutions and Actions” (Desigualdades no Reino Unido: Novos Discursos, Evoluções e Ações, Emerald Publishing), lançado em novembro. Para ele, o discurso sobre a desigualdade é uma forma de criticar a atitude do governo com os mais pobres.
“As desigualdades de renda afetaram principalmente jovens e trabalhadores desde 2008. As famílias pobres foram afetadas pelo limite de benefícios introduzido pelo governo”, disse.
Para Jonathan Cribb, pesquisador sênior do Institute for Fiscal Studies, apesar de o prédio Grenfell ter se tornado o principal símbolo da desigualdade em Londres, é errado pensar de forma crítica sobre as diferenças dentro do bairro em que a torre fica.
“Ter pessoas ricas e pobres morando na mesma região pode revelar a desigualdade, mas pode ser pensado como algo positivo. É melhor ter pessoas ricas e pobres no mesmo bairro do que criar uma cidade segregada, separando bairros ricos e pobres.”
Segundo ele, assim como as ruínas de Grenfell se tornaram um ícone, a própria desigualdade se tornou um símbolo com vários significados. Ao longo dos últimos meses, ele disse, a desigualdade tem sido usada para representar diferentes problemas da sociedade britânica, da violência ao “brexit”.
Assim como Fee, Cribb diz que a questão principal não é o aumento da desigualdade de renda no país, que cresceu de forma mais marcante nos anos 80, mas o fato de que os britânicos parecem ter finalmente acordado para o problema e falam mais sobre ele.
Em um estudo recente, Cribb indica que desde a crise financeira global, em 2008, e ao longo da última década, a desigualdade de renda até caiu no Reino Unido, mas que o país ainda tem uma situação muito pior do que a de outras nações europeias, até mesmo algumas menos ricas.
Um relatório divulgado pelo Parlamento britânico neste ano revelou que de fato o nível de desigualdade no Reino Unido hoje é mais alto do que nos anos 1960 e 1970.
As diferenças de renda são elevadas especialmente pelo aumento da riqueza dos que já têm renda mais alta. O 1% da população mais rica ficou ainda mais rica, enquanto a renda do restante dos britânicos ficou mais perto da estabilidade, diz o estudo.
O Reino Unido tem uma das piores situações de desigualdade da Europa Ocidental. Em meio a debates sobre o “brexit”, questões sobre a desigualdade têm sido levantadas tanto para justificar a votação a favor do rompimento com a União Europeia quanto para discutir caminhos para melhorar a situação após o divórcio.
Além disso, chama a atenção o fato de as diferenças de renda no Reino Unido superarem a média da UE.
Segundo o estudo do Parlamento, o Reino Unido só fica à frente de Grécia, Espanha, Itália e Portugal entre os países da Europa Ocidental. O país tem mais desigualdade do que nações como Alemanha, Irlanda, França, Croácia, Holanda e Bélgica.
Um levantamento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) citado no relatório do Parlamento, entretanto, ainda mostra que o Reino Unido tem uma situação bem melhor do que países em desenvolvimento.
Enquanto o índice Gini (que mede a desigualdade) britânico é de 36%, o dos EUA é de 39%, o do Brasil é de 47% e o da China chega a 56%.
Pesquisa recente da London School of Economics mostra que a diferença de renda entre ricos e pobres se relaciona diretamente ao aumento da pobreza no país. Cada ponto de elevação na diferença de renda medidas pelo Gini representa 0,6 ponto percentual no índice de pobreza.