LUCAS VETTORAZZO RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A segunda instância da Justiça do Rio manteve a condenação do catador de latas Rafael Braga Vieira, 29, por tráfico de drogas e associação ao tráfico. Braga ficou conhecido como o primeiro preso e condenado das manifestações iniciadas em junho de 2013. Ele foi preso por carregar duas garrafas plásticas de material de limpeza, identificadas pelas autoridades como coquetéis molotov.

Após três anos presos -de uma sentença de cinco anos e dez meses de prisão-, ele respondia em liberdade, monitorado por uma tornozeleira eletrônica, quando foi abordado em janeiro de 2016 por policiais na favela Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, Penha, zona norte do Rio.

Segundo a polícia, Braga carregava drogas em uma sacola plástica, o que o acusado nega. A defesa diz que o material foi plantado pelos policiais, que, ao perceberem a tornozeleira eletrônica, teriam coagido Braga a delatar criminosos que atuam no tráfico de drogas da região. Diante da negativa, segundo a defesa, Braga foi acusado de portar 0,3 gramas de maconha e 9,3 gramas de cocaína. Preso, Braga foi condenado em primeira instância a 11 anos e três meses em regime fechado.

Em setembro passado, a defesa de Braga obteve habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para que o réu deixasse a cadeia para tratar de uma tuberculose contraída no sistema prisional. De acordo com o advogado Lucas Sada, integrante do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos, que dá assistência jurídica a Braga, o habeas corpus está mantido, mas seu mérito ainda não foi julgado. Apesar da decisão desfavorável, Braga, portanto, continua em liberdade para tratar de sua saúde. A previsão é que o tratamento seja encerrado no fim de fevereiro, mas é possível que a Justiça determine em breve uma avaliação nas condições de saúde do réu.

Desembargadores mantiveram a condenação por tráfico por três votos a zero. Para o crime de associação ao tráfico, o placar foi de 2 a 1, assim como na discussão sobre a dosimetria da pena por tráfico. Ainda cabe recurso às instâncias superiores. A prisão de Braga em 2013 causou comoção entre os movimentos de protesto que surgiram naquele ano. Ativistas de todo o país contestaram a versão da polícia, que mais tarde foi aceita pela Justiça. Três policiais civis da Decav (Delegacia da Criança e do Adolescente) prenderam Braga próximo à delegacia, que fica na Lapa, centro do Rio.

Naquela mesma noite, 20 de julho, a maior manifestação do período ocorria na avenida Presidente Vargas, também no centro. Houve repressão policial e muitas pessoas se dispersaram para a região da Lapa. Em depoimento à Justiça, um dos policiais civis relatou que uma bomba de gás lacrimogêneo atirada pela Polícia Militar atingiu a porta da delegacia. Os policiais civis encontraram Braga do outro lado da rua da delegacia, deixando uma loja abandonada. Ele portava duas garrafas plásticas de Pinho Sol (desinfetante) e estopas.

Os policiais entenderam que se tratavam de dois coquetéis molotovs. Conforme a Folha revelou à época, o laudo do esquadrão antibombas, realizado um mês após a prisão, mostrou que os supostos artefatos tinham “capacidade ínfima” de serem utilizados como molotovs, que são feitos com garrafas de vidro e uma mistura de gasolina e óleo. Braga foi condenado mesmo assim. Ele negou participação na manifestação e disse que passava por período como morador de rua e os produtos seriam usados para limpar o local em que costumava dormir, próximo à delegacia. Braga chegou a obter liberdade provisória em 2014, mas voltou a cadeia depois de posar para uma foto em frente um grafite que tinha mensagens de apoio a si. A Justiça entendeu que ele havia descumprido a determinação de não participar de manifestações politicas.

TESTEMUNHA POLICIAL

Tanto na prisão de 2013 quanto na mais recente, no Complexo do Alemão, as únicas testemunhas do processo são policiais. Isso é possível graças a uma súmula do Tribunal de Justiça do Rio que admite que na falta de outras provas, basta o testemunho policial, medida que é também válida em São Paulo e é criticada por entidades de direitos civis. No caso da prisão no Complexo do Alemão, a Justiça não considerou pedidos da defesa de ouvir um conhecido da família de Braga, que alegou ter visto o rapaz ser coagido por policiais em um beco na favela.

A alegação da defesa era que o Braga ia a uma padaria quando foi abordado. Os três policiais militares que testemunharam contra Braga, e também os responsáveis pela sua prisão, disseram que patrulhavam a favela quando receberam a denúncia de que havia tráfico de drogas em um local conhecido como “sem terra”. O PM Victor Hugo alegou que quando ele e seu parceiro se aproximaram dos suspeitos, a maioria fugiu. Braga teria ficado parado e foi pego com uma sacola com papelotes de drogas com a inscrição da facção CV (Comando Vermelho), que domina a comunidade.

A defesa alega que os policiais assumiram que Braga era do tráfico ao ver sua tornozeleira eletrônica. Eles teriam plantado às drogas, numa manobra para forçar Braga a fornecer informações sobre a quadrilha que atua na região. A defesa afirma que Braga foi inclusive coagido a consumir cocaína quando estava na viatura a caminho da delegacia.

A defesa solicitou à Justiça acesso aos dados do GPS da tornozeleira eletrônica, como forma de levantar a rotina do réu e mostrar que ele não frequentava as bocas de fumo da região. Também foram pedidos os vídeos da câmera da sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Vila Cruzeira, assim como da viatura policial. Os dois pedidos foram negados pela Justiça. Antes de 2013, Braga já havia sido preso e condenado outras duas vezes por roubo a pedestre nos anos de 2006 e 2009.