FABIANO MAISONNAVE
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Seis homens foram mortos a tiros de fuzil e outras armas durante um treino de futebol na noite de terça-feira (12), em Manaus. Outros dez saíram feridos. A Polícia Civil vinculou a chacina à disputa pelo controle do narcotráfico no Amazonas.
O crime aconteceu no bairro Compensa, berço da facção criminosa Família do Norte (FDN), responsável pelo massacre do Ano-Novo em dois presídios de Manaus que terminou com 63 mortos, em ação dirigida contra os rivais da facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital).
Além da suspeita sobre o PCC, a polícia também trabalha com a hipótese de que a chacina seja parte de um forte racha surgido na FDN durante este ano. Uma terceira linha de investigação é a vinculação com algum assassinato ocorrido nos últimos dias em Manaus.
Com a exceção de um dos mortos, todos jogavam na equipe T5 Jamaica, o antigo Compensão. Uma investigação da Polícia Federal em 2015 vinculou o time à FDN, fundada por José Roberto Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, hoje no presídio federal de Campo Grande (MS).
“Independentemente da facção que tenha cometido isso, o campo e, principalmente o time de futebol, é o coração simbólico da FDN”, disse à Folha o delegado Juan Valério, titular da delegacia de homicídios e no comando das investigações.
CALIBRE
Segundo relatos dos sobreviventes à polícia, vários homens encapuzados chegaram ao campo de futebol localizado dentro do Centro Social Urbano (CSU). Armados com fuzis, espingardas e pistolas, eles separaram as crianças e atiraram nos jogadores.
Segundo o Instituto de Criminalística, ao menos dois corpos foram alvejados por espingarda e tiros de alto calibre, provavelmente fuzil. Também foram localizados estojos de pistolas 762 e 556.
Em depoimento incluído num dos relatórios da investigação, uma testemunha disse que os atiradores gritaram “Aqui é PCC”. Valério, no entanto, afirmou que os sobreviventes ouvidos por ele não relataram a frase.
Apenas um morto tinha passagem, segundo a Polícia Civil: Michel de Sena Passos, 33, que tinha anotação anterior por tráfico de drogas.
Os demais mortos são David Costa da Silva, 27, Ronaldo Oliveira de Souza, 23, Edilson Xavier Diniz Júnior, 24, José Diego Sena Serrão, 17, e Rodrigo de Oliveira Souza, 24.
Um dos baleados foi localizado na tarde desta quarta-feira (13) pela polícia. Com a prisão preventiva decretada por homicídio, ele não procurou atendimento médico.
Dois dos nove encaminhados a hospitais e postos de saúde continuavam internados até a conclusão desta edição. Um deles, de 16 anos, estava em estado gravíssimo.
A polícia diz ter localizado os três carros –duas camionetes– usados pelos criminosos, abandonados em dois pontos diferentes da cidade.
Após a chacina, a Secretaria de Segurança Pública reforçou a presença de policiais na cidade. Nas últimas semanas, já havia o temor de episódios violentos por causa da proximidade com o primeiro aniversário do massacre.
PATROCÍNIO
Com cerca de 2 milhões de habitantes, Manaus é uma das capitais mais violentas do país, com uma taxa de homicídios de 54,9 por 100 mil, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Compensa é um dos maiores e mais antigos bairros da cidade. Às margens do rio Negro, tem áreas de classe média, média baixa e pobre.
De acordo com a PF, a FDN repassou ao menos R$ 320 mil ao time local, que chegou a disputar a série A do campeonato estadual do Amazonas, em 2010, após vencer a segunda divisão, no ano anterior.
No ano seguinte, já com pouco dinheiro, o time solicitou o rebaixamento para série B. Em seguida, o então Compensão, voltou a ser um time amador. Em agosto de 2016, o filho do Zé Roberto da Compensa, o também traficante Luciano da Silva Barbosa, foi preso no mesmo campo de futebol onde ocorreu a chacina.
DISPUTAS
Segundo Valério, o ano foi marcado por uma intensa disputa interna dentro da FDN, aliada nacional da facção carioca Comado Vermelho .
O PCC, por outro lado, perdeu força, sem conseguir tomar o controle da lucrativa rota do rio Solimões, que escoa principalmente a cocaína produzida no Peru e revendida ao Norte e Nordeste, além do exterior.
“No início do ano, havia um disputa por território na zona sul da cidade, encabeçada pelo pistoleiro Mano Kaio. Quase todo mês havia quase cem homicídios atribuídos a ele, mas, na verdade, a cidade ficou sem comando [do narcotráfico]”, explicou Valério.
Segundo o delegado, após a prisão de Mano Kaio, em Rio das Ostras (RJ), em agosto, os homicídios na cidade caíram para cerca da metade. “Mas ficou claro que há esse racha dentro da FDN.”
O governo do Amazonas também prepara medidas de precaução para a virada do ano nos presídios. Todos os principais líderes já cumprem penas fora do Estado.
O massacre do começo do ano em Manaus -o segundo maior ocorrido no país, atrás do Carandiru- desatou uma onda de violências em outros Estados, principalmente Roraima e Rio Grande do Norte.