NATÁLIA CANCIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio a protestos e após menos de dez minutos de debate, representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios aprovaram nesta quinta-feira (14) mudanças na política de atendimento em saúde mental.
Entre as mudanças, conforme adiantado pela Folha, estão a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos, que voltam a ser reconhecidos como parte da rede de atendimento, e o aumento no valor pago em diárias de internação.
Até então, a política em vigor previa o fechamento gradual desses leitos no país, com base no que estabelece a lei da reforma psiquiátrica, de 2001. O texto prioriza o atendimento por meio da oferta de vagas em Caps (centros de atenção psicossocial) e hospitais gerais.
Questionado, o coordenador nacional de saúde mental, Quirino Cordeiro, nega que haja intenção de ampliar o número de leitos. “A ideia é que utilize esse parque já instalado”, diz.
Ele reconhece, porém, que a pasta não tem um número exato dos leitos em funcionamento no país, o que poderia abrir brecha para reativação de antigas estruturas. Dados de 2015 apontam cerca de 18 mil leitos nestes locais. Em 2002, eram 53 mil.
Para Cordeiro, ainda que não haja um número exato, o total de leitos é insuficiente. “O Brasil tem hoje um número muito menor do que países desenvolvidos. Estamos numa situação em que podemos não ter leitos para internar pacientes com quadro agudo”, afirma.
Além da manutenção dos leitos psiquiátricos em hospitais especializados, a nova resolução de saúde mental também prevê a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
O modelo atual estabelece que no máximo 15% dos leitos nesses hospitais sejam destinados a pacientes com transtornos mentais, para evitar incentivo à hospitalização. A ideia é que esse percentual passe a 20%, com limite de até 60 vagas por hospital, as quais devem ser localizadas principalmente em enfermarias especializadas.
A proposta, no entanto, é vista com preocupação por defensores da reforma psiquiátrica, que temem que a medida incentive a manutenção da internação e a criação de pequenos “manicômios”.
Cordeiro nega e diz que a pasta pretende estabelecer diretrizes para regular o tempo de internação, sobretudo em hospitais especializados.
Uma das possibilidades é que, após determinado período, haja redução do valor pago em diárias a cada dia de internação. “Nossa ideia é dar suporte para internação de curta permanência. Não queremos paciente morando em hospital psiquiátrico.”
Ele diz que, para isso, o governo pretende aumentar em R$ 10 mil mensais o valor pago a serviços de residência terapêutica, destinados a antigos pacientes que ainda moram em hospitais.
OUTRAS MUDANÇAS
Ao mesmo tempo em que reforça o papel dos hospitais, a nova política também prevê a incorporação de novos tipos de serviços à rede de atendimento. Um deles é a criação de um novo modelo de Caps para atendimento de usuários de álcool e drogas na região das cracolândias, o qual deve ter funcionamento 24h e oferta de novos leitos.
O objetivo é atender usuários com quadro de intoxicação grave, entre outros problemas. “Hoje, entre o indivíduo sair da cracolândia e conseguir atendimento, há um ‘gap’. Essa estrutura estará preparada para dar atendimento em situações mais graves”, diz Cordeiro.
Já nos casos em que o paciente opte por continuar o tratamento de forma voluntária, a ideia é que ele possa ser encaminhado a comunidades terapêuticas, afirma.
Até então, esse tipo de estrutura, a maioria vinculadas a entidades religiosas, recebia financiamento só do Ministério da Justiça, sem serem reconhecidas como modelo de tratamento em saúde.
Agora, o Ministério da Saúde também deve passar a financiá-las, em conjunto com os ministérios do Trabalho, Desenvolvimento Social e Justiça. Com isso, a previsão é que o número de vagas passe de 4.000 para 20 mil. “Isso vai ajudar a aumentar a oferta para recuperação de drogados”, afirmou o ministro Ricardo Barros.
Segundo ele, a previsão é que o reajuste nas diárias aos hospitais psiquiátricos e os novos serviços custem R$ 300 milhões por ano. Hoje, o orçamento da saúde mental é de R$ 1,3 bilhão.
PROTESTOS
A aprovação das mudanças ocorreu durante reunião de uma comissão de gestores do SUS na sede da Opas (Organização Pan-Americano de Saúde), em Brasília, e em meio a protestos.
Após a leitura da proposta, a discussão e votação duraram menos de dez minutos. Representantes de entidades como do Conselho Nacional de Saúde chegaram a pedir a palavra, mas foram impedidos de participar.
Enquanto isso, do lado de fora, cerca de 30 manifestantes protestavam e carregavam cartazes com dizeres como “Nada de prisão, manicômio é regressão” e “Não aos hospitais psiquiátricos”.
Seguranças também bloqueavam o acesso a uma lista de participantes. “É o assassinato da reforma psiquiátrica”, disse Larissa Dall’Agno da Silva, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental.
Membros dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde elogiaram as mudanças. “Ela não muda a política de saúde mental, mas fortalece”, afirmou o presidente do Conass, que representa os Estados, Michele Caputo Neto.
O ministro chamou as críticas de “inadequadas”. “As mudanças vão ajudar uma área que não estava indo bem e que havia cobrança da sociedade para ajustar. Acabamos de escrever o texto e já estão criticando uma coisa que nem sabem o que é. Isso é pura ideologia e não mundo real. É gente que acha que tem que ser do jeito que quer, e não como precisa ser. Faremos do jeito que precisa ser.”