ANA LUIZA ALBUQUERQUE CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O engenheiro Glaucos da Costamarques afirmou ao juiz Sergio Moro nesta sexta-feira (15) que era ressarcido pelo pagamento do carnê-leão dos aluguéis do apartamento em São Bernardo do Campo (SP), vizinho ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Ministério Público diz que Costamarques atuou como “laranja” de Lula na compra do imóvel, que teria sido adquirido com propina da Odebrecht, obtida por meio de contratos com a Petrobras. O engenheiro disse a Moro que era o pecuarista José Carlos Bumlai, seu primo e amigo do ex-presidente, quem o ressarcia pelo imposto sobre o aluguel. Bumlai chegou a ser preso pela Lava Jato, mas teve a prisão domiciliar revogada pelo STF em abril deste ano. Segundo Costamarques, o acerto de contas era feito de maneira informal, como na situação de uma compra de cavalos. Nestas ocasiões, Bumlai repassaria o valor anual dos impostos, que somados chegariam a cerca de R$ 2,5 mil. O engenheiro afirmou que o acordo foi firmado quando reclamou com Bumlai de que não havia recebido os valores referentes aos primeiros meses de aluguel, no início de 2011. “Ele falou: Glaucos, esquece o aluguel.” Em seguida, Costamarques teria reclamado de que, além de não receber os aluguéis, ainda teria que pagar os impostos correspondentes. “Além de não receber o aluguel vou pagar um imposto? Ele falou: não, vou ressarcir esse imposto para você.” O engenheiro voltou a afirmar que não recebeu nenhum aluguel até 2015 e que, ainda assim, assinou recibos referentes ao pagamento. “Eu tinha o contrato de aluguel, pagava o imposto, tinha que declarar que recebi. Porque eles, dona Marisa [mulher de Lula, morta em fevereiro deste ano], ia declarar que pagou.” Costamarques disse que, até Bumlai ser preso, ao final de 2015, acreditava que havia comprado o apartamento para ele e que o dinheiro seria devolvido. Após o episódio, afirmou ter pensado: “Então daqui para a frente, já está no meu nome mesmo, vou assumir, o apartamento é meu”. O engenheiro também confirmou que, quando internado no hospital Sírio Libanês, no final de 2015, recebeu visitas do contador João Muniz Leite. Na ocasião, disse ter assinado recibos referentes a 2015 e “talvez algum recibo anterior que ele tenha falado que estava errado”. Ele afirmou que o encontro pode ter sido consequência da visita do advogado Roberto Teixeira, que, segundo Costamarques, esteve no hospital antes do contador. “Eu estava internado e ele entrou dentro do meu quarto. Foi comunicar que daquela data em diante iriam pagar o aluguel.” O nome de Teixeira não consta no registro de visitas do hospital. Segundo o engenheiro, isso é porque o advogado entrou sem se identificar. “A entrada é falha. Nem toda entrada é fiscalizada, a principal é, as outras não são.” CONTADOR Também nesta sexta-feira, o contador João Leite falou ao juiz Sergio Moro. Ele se contradisse em relação a outro depoimento, prestado ao final de setembro. À época, Leite afirmou que recebia das mãos de Glaucos, periodicamente, os recibos referentes ao pagamento dos aluguéis, de 2011 a 2015, os quais serviam para dar lastro às declarações do imposto de renda. Desta vez, o contador disse que só recebeu os recibos diretamente do engenheiro em 2015, por meio de uma pasta, após cobrá-lo pela ausência dos documentos referentes a 2014. Como alguns recibos estavam faltando e outros não tinham a assinatura de Glaucos, Leite teria ido ao hospital regularizar a situação. “Me equivoquei nesse ponto aí”, afirmou, ao ser questionado por Moro. O contador disse ter sido responsável pelas declarações de renda de Lula, a pedido de Roberto Teixeira, de 2011 a 2015. Afirmou que o advogado repassava a documentação necessária para que fizesse a contabilidade. Leite disse que, em 2013, os recibos não constavam na documentação. Por isso, Costamarques teria enviado um e-mail a ele, confirmando os valores recebidos a cada mês naquele ano. Ao visitar o engenheiro no hospital, em 2015, afirmou ter colhido cerca de 15 assinaturas. Voltou a negar que todos os recibos tenham sido assinados de uma só vez. Disse que precisou preparar três ou quatro recibos que estavam faltando na pasta entregue por Costamarques. Segundo ele, a urgência se dava porque o engenheiro não morava mais em São Paulo e, ao sair do hospital, já voltaria para Mato Grosso. O contador afirmou que não conhecia Lula, mas que tinha uma preocupação maior com o caso por se tratar de um ex-presidente e que se sentia “lisonjeado” pelo trabalho ser de sua responsabilidade. AÇÃO PENAL A polêmica e os questionamentos em torno dos recibos, conforme noticiou a Folha de S.Paulo, adiaram para 2018 a segunda sentença de Moro sobre Lula. Após ser cobrado publicamente por Moro em setembro, Lula apresentou um conjunto de recibos de locação assinados por Costamarques. O Ministério Público, porém, levantou suspeitas sobre essa prova e abriu um procedimento paralelo à ação penal, chamado de incidente de falsidade criminal. Em nota, a Procuradoria afirmou que as provas já demonstram “que o contrato e o recibo são papéis criados para disfarçar a real titularidade do imóvel usado pelo ex-presidente, que foi comprovadamente comprado com recursos oriundos da Odebrecht”. OUTRO LADO A defesa de Lula nega que o apartamento tenha sido adquirido com recursos da Odebrecht. Em nota divulgada nesta sexta, o advogado Cristiano Zanin afirma que os depoimentos confirmaram que os recibos são autênticos e que foram emitidos por Costamarques com declaração de quitação, “prova mais plena do recebimento dos aluguéis de acordo com a lei brasileira”. A quitação, segundo a defesa, foi “confirmada por outros documentos existentes nos autos, como a movimentação nas contas do proprietário envolvendo valores em espécie.” “Também ficou claro mais uma vez que o apartamento não é do ex-presidente Lula e que não há qualquer valor proveniente de contratos da Petrobras relacionado ao imóvel”, diz o texto.