Era fevereiro de 1959 e a boa música do quinteto de Breno Sauer fervia na boate La Vie en Rose, situada na Visconde de Nacar, região das bocas, quando um jipe militar encostou em frente e dele desceram quatro homens fardados armados com metralhadora e pistolas. Entraram e o sargento que comandava a patrulha perguntou:

– Tem soldado aprontando ai?
– Não senhor, respondeu assustado o proprietário Paul Brodman.
– Você tá armado?
– Não senhor, garantiu Brodman, abrindo o paletó.
– Então tá tranquilo e vou dar uma canja, concluiu o sargento Raul de Souza, retirando seu trombone de válvula da caixa. E encheu o ambiente com ‘Wee Dot’, do trombonista J.J. Johnson, inspirador de Raul, então Raulzinho do Trombone, e outros jazzistas pelo mundo.

Raul de Souza, que trocou o trombone de válvula pelo de vara e foi considerado um dos maiores trombonistas do mundo, era um dos vinte músicos do Rio de Janeiro recrutados, no final da década de 1950, para formar a Banda da Base Aérea e reinventar a música na noite curitibana. A chegada deles foi um choque de qualidade, na linguagem dos economistas, narrado no livro ‘Curitiba no Tempo do Jazz Band’, recém-lançado pelo jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior. A pesquisa levou oito anos e foi feita graças a um pequeno financiamento da lei municipal de incentivo à cultura para o projeto ‘Vestido Branco, Uma Aventura Musical’. Resultou em 300 entrevistas com músicos, empresários da noite e frequentadores das rodas de jazz e bossa nova nos tempos em que os paranaenses celebravam as boas colheitas do ouro verde.

O ciclo do café, que começou no início do século e atingiu o seu auge na década de 1960, não trouxe apenas explosão demográfica e desenvolvimento social ao Paraná. A pujante economia cafeeira que engordou os cofres do Tesouro e enriqueceu agricultores também influenciou o cenário musical de Curitiba. Na fria capital paranaense brilhavam grandes instrumentistas, compositores e cantores, além de mulheres fantásticas que vinham da Argentina dançar nos cabarés e boates. Todos atraídos pelo dinheiro que circulava abundante.

Curitiba era um grande centro musical. Havia bons músicos e orquestras bem afinadas. Cada emissora de rádio tinha orquestra e conjunto regional. Clubes, cafés, restaurantes e hotéis procuravam músicos. A demanda maior era das casas noturnas, que se multiplicavam no centro da cidade. A cena ganha efervescência durante um quarto de século que começou em 1950, com a volta da democracia, a eleição de Getúlio Vargas e as festas do centenário da emancipação política do Paraná. A festa de jazz e bossa nova só perdeu o brilho quando a geada negra de 1975 devastou praticamente a totalidade dos pés de café existentes no estado.

Adherbal Fortes trabalhou em jornais e televisões e foi coautor, com Paulo Vítola, dos musicais Cidade Sem Portas e Terra de Todas as Gentes, o primeiro encenado durante um ano no recém-inaugurado Teatro do Paiol, o segundo escrito para inaugurar o grande auditório (2.200 lugares) do Teatro Guaíra, em 1975.

Serviço
Curitiba no Tempo do Jazz Band – à venda nas Livrarias Curitiba
Contato com o autor – [email protected], fone (41) 9 8433 1070


O LIVRO

Obra é uma homanagem à arte dos músicos que por aqui passaram
Organizado em capítulos, o livro pretende homenagear a arte dos músicos que nasceram ou escolheram Curitiba para palco de seu talento, diz o autor. O Brasil musical de 1960 era um arquipélago cujas ilhas pouco se comunicavam. Raros talentos deixavam Curitiba para tentar o sucesso no Rio de Janeiro ou em outros centros, como o quarteto Bitten-4, liderado por Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, que se apresentou para uma plateia de 30 mil pessoas no Maracanãzinho, na final do Festival da TV Excelsior. Para comprovar a invisibilidade dos artistas da província, Adherbal tentou achar fotos, filmes ou um mísero frame de vídeo tape daquele momento. Nada sobrou. Consta que fitas de vídeo históricas eram desgravadas pelas emissoras sem dinheiro para armazenar vídeos comerciais de 30 segundos.

A pesquisa revelou que a carreira de Raul de Souza na Aeronáutica não foi um sucesso – sucesso foi a excursão que fez a Paris com os bambas da bossa nova sem autorização do comandante da Base Aérea. Mostrou que a formação da Banda da Base Aérea de Curitiba, recrutada na escadaria do Teatro João Caetano e no Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, contribuiu para elevar às alturas o desempenho das big bands (ou jazz band, como ainda eram chamados) e dos pequenos grupos, como o quinteto de Breno Sauer, que depois se instalou em São Paulo e mais tarde mudou para o México.

A edição do autor tem 276 páginas, valorizadas pela capa de Guinski, um dos principais artistas plásticos do Brasil, e por fotos salvas de velhos guardados dos próprios músicos. Histórias sobre o complicado mundo da música regional, que luta para ser vista além da divisa e do compositor que sofre para achar uma gravadora e, quando consegue, precisa enfrentar a batalha da distribuição.
Curitiba no Tempo do Jazz Band resgata a história do pianista Gebran Sabbag, Lápis, Guarany Nogueira, Geraldo Elias, Genésio Ramalho, Giuseppe Bertollo, o maestro Beppi, Fernando Montanari, e outros instrumentistas que estrelaram a época de ouro da bossa nova e do jazz na capital paranaense.

 

Fotos: Franklin de Freitas/reprodução

Livro tem muitas fotos das mais diversas épocas