SILAS MARTÍ
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Quando aprovou em 2017 uma lei que dá mais poderes a agências reguladoras para investigar o mau comportamento de bancos e empresas, o governo brasileiro parecia se inspirar num modelo de acordo de leniência criado pelos americanos.
Mas enquanto esse mecanismo estreia no Brasil, ele pode estar se tornando meio démodé nos Estados Unidos.
Em alta desde o caso Enron, que há quase duas décadas se tornou um marco na história das fraudes financeiras, esse tipo de acordo em que empresas se denunciam para garantir clemência quando estiverem na mira da Justiça vem se tornando menos comum sob o presidente Donald Trump.
O mais controverso inquilino da Casa Branca assumiu o comando do país com um discurso favorável ao mercado, prometendo aliviar o peso dos regulamentos, cortar tributos sobre corporações e até relaxar leis de proteção ao meio ambiente.
Seus compromissos, depois do primeiro ano de mandato, já começaram a tomar corpo com duas escolhas estratégicas para o alto escalão do governo americano.
Na agência que deveria zelar pelos direitos do consumidor, Trump instalou —não sem criar enorme controvérsia— Mick Mulvaney, que em outras ocasiões disse ser favorável à extinção do órgão que regula práticas dos bancos e dos cartões de crédito.
Em fevereiro, quando acabar o mandato de Janet Yellen à frente do Federal Reserve, o banco central americano, sua cadeira será ocupada por Jerome Powell, que promete flexibilizar exigências sobre as reservas de resistência a estresse dos bancos, em vigor depois de 2008.
“Está havendo uma queda real no número de acordos”, diz Brandon Garrett, autor de “Too Big to Jail” (grande demais para prender), um dos livros mais críticos a essa prática. “A administração Trump chegou dizendo que queria desregulamentar, e todas as suas agências vêm abrindo menos ações.”
VISTA GROSSA
O Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission, agência americana equivalente à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil, estão de fato bem mais propensos a fazer vista grossa às falcatruas corporativas.
Nos últimos anos, multas bilionárias impostas a gigantes como Volkswagen, Goldman Sachs, BP e JP Morgan passaram a se mostrar insuficientes para coibir táticas escusas. Mais do que isso: desrespeitar regras e confessar antes de ser pego virou a receita básica de negócios.
“É o custo de fazer negócios”, diz Peter Henning, professor de direito especialista em crimes financeiros. “As empresas pagam o que devem e seguem adiante. Elas não gostam de pagar milhões de dólares, mas sabem que não correm o risco de fechar.”
Nesse sentido, a lei americana não difere muito da brasileira. Um acordo fechado com uma das agências não impede que ações sejam movidas contra executivos específicos ou mesmo em outras instâncias da Justiça.
Essa fragmentação do sistema, que no Brasil “dificulta uma atuação conjunta e alinhada”, na visão da advogada Ana Beatriz Garcia, da firma paulistana Octaviani Sociedade de Advogados, espelha em alguns casos a insegurança vivida por empresas atuantes nos EUA.
No caso das multinacionais, o sonho de um acordo pode se tornar um pesadelo, já que envolve se adequar a leis e regulamentos de pelo menos 66 países que seguiram o modelo dos americanos ao implementar suas regras para casos de leniência.
“Ficou difícil lidar com múltiplas agências reguladoras ao mesmo tempo”, afirma Mark Krotoski, ex-procurador e atual advogado do escritório Morgan Lewis. “Navegar esse sistema virou um jogo de xadrez para as firmas.”