Diante da ameaça de um novo complexo portuário que pode ser instalado em Pontal do Paraná, no litoral do estado, em frente à paradisíaca Ilha do Mel – um patrimônio natural protegido por Lei e a segunda maior atração turística do Paraná – artistas de diversas frentes de atuação uniram ativismo ambiental e arte, numa demonstração de artivismo, cidadania e engajamento.

A mobilização deu origem a uma residência artística chamada de Encosta Urgente, inspirada pelo movimento #salveailhadomel. As ações aconteceram na Ilha de 20 a 30 de janeiro. Juntos, 15 artistas, de diferentes partes do Brasil, criaram, junto da comunidade local, um movimento em prol da conservação das áreas que estão sendo postas em risco por um complexo industrial – que compreende a instalação de um porto privado – e pode condenar a região. Isso sem estudos de impactos ambientais e sociais completos e qualificados até o momento.

A proposta foi de reunir pessoas com distintas habilidades, submetendo o exercício da arte a uma causa comum, que, nesta edição especial, é a interdição do projeto portuário, explica uma das idealizadoras da Encosta, Gio Soifer.

Corrida contra o tempo

O projeto do Porto Pontal ainda depende de incrementos jurídicos para sair do papel, mas o caminho para a realização dele já avança sobre a opinião pública por meio de uma campanha de desinformação apoiada pelo Governo do Estado.

A licitação para a construção da Faixa de Infraestrutura, por exemplo, que contempla uma nova rodovia, precisará derrubar cinco milhões de metros quadrados de Mata Atlântica, está para ser aberta pelo Governo do Paraná nos próximos dias. O local que pode ser devastado reúne hoje a maior área contínua do bioma em bom estado de conservação do Brasil.

A decisão de abrir às pressas a concorrência foi tomada pelo Governo do Estado, mesmo diante da ausência de um amplo e qualificado debate sobre o assunto com diversos setores da comunidade, que precisam ser informados sobre os impactos e prejuízos incalculáveis que as obras vão gerar para a biodiversidade, comunidades tradicionais e para a sociedade em geral.

A história vendida à população é que a nova rodovia vai desafogar o trânsito e beneficiar o turismo e comércio. Mas a verdade, é que ela vai favorecer o trânsito intenso de caminhões e ter uma única função: viabilizar a construção do Porto Pontal.

Ele seria feito em frente à Ilha do Mel. Na região, entre outras riquezas naturais, existe a Baía dos Golfinhos, uma espécie de berçário dos botos cinzas, ameaçados de extinção.

E o porto não chega sozinho. Com ele e apoiado pela nova Faixa de Infra Estrutura – de 19 quilômetros de extensão e 175 metros de largura – vem um agressivo complexo industrial que promete atender à indústria do pré-sal e a instalação de uma controversa termelétrica no local.

Um laudo feito pelo próprio Instituto Ambiental do Paraná (IAP) chegou a reconhecer recentemente que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a construção da Faixa – a primeira obra feita para possibilitar a execução das demais – apresenta lacunas e inconsistências, especificamente com relação aos efeitos sinérgicos entre seus componentes que dependem de estudos e projetos aprofundados que não foram encontrados no EIA.

A comissão técnica do IAP que analisou o pedido chegou a assumir que não era possível emitir uma licença prévia para a construção da Faixa de Infraestrutura com todos os componentes indicados no Requerimento de Licenciamento Ambiental Prévio, como rodovia, canal de macrodrenagem, linha de transmissão, gasoduto, ferrovia e rede coletora de esgoto. Entretanto, assumiu que era obrigada a considerar a urgência do empreendimento declarada pelo Governo do Estado, aprovando a viabilidade locacional do empreendimento. Apenas por isso; pela pressão pública, é que a aprovação para execução da Faixa foi concedida pelo IAP.

 

Prejuízos somados

Depois da estrada e de um canal de drenagem previstos pela Faixa de Infraestrutura – só os dois custarão R$ 369 milhões aos cofres públicos – seriam feitos ainda, um gasoduto, uma ferrovia e uma linha de transmissão de energia.

Pontal do Paraná passaria, então, a viver dramas característicos a cidades portuárias, como Paranaguá, entre eles, poluição, destruição de fauna e flora, tráfego pesado de caminhões, criminalidade, drogas e prostituição.

As obras também expulsariam comunidades tradicionais que ocupam a região há séculos. A pesca tradicional, que garante a sobrevivência de mais de 100 famílias, seria comprometida e as pessoas obrigadas a deixar a área onde vivem.

Atento a isso, o grupo de artistas também foi conversar com pessoas que vivem sob constantes e violentas ameaças de desapropriações, como a comunidade pescadora do Maciel, e grupos remanescentes de índios guaranis, que habitam a área há séculos.

Fruto da parceria entre idealizadores e envolvidos no movimento Pare. Preste Atenção! – responsáveis pela mobilização social contra o projeto de lei que prevê a redução de 70% da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana – a maior unidade de conservação do Sul do Brasil – [clique aqui para assistir ao clipe], o projeto de residência artística Encosta Urgente teve o apoio do Observatório de Justiça e Conservação (OJC) e da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), além de outras instituições e pessoas parceiras das organizações.

As consequências de uma obra dessa magnitude são irreversíveis, tanto para as pessoas que habitam o local, como para toda a natureza do entorno. A poluição marítima, atmosférica, sonora e visual são outras mazelas que farão parte da realidade dos moradores. São perdas difíceis de mensurar, inclusive, porque afetarão todas as gerações que nos sucederem, diz Raissa Fayet, artista e também coidealizadora da frente Pare. Preste Atenção.

Vivência na Mata Atlântica

Antes de fixarem-se na Ilha, o grupo foi conduzido pela SPVS e OJC, dias 18 e 19 de janeiro, por uma vivência na Mata Atlântica. A intenção era de que compreendesse aspectos técnicos e conhecessem ilegalidades e incoerências que envolvem o projeto portuário e o complexo industrial subsequente.