A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de permitir que os candidatos às eleições de outubro financiem 100% de suas campanhas com recursos próprios deve dificultar ainda mais a tão esperada renovação da política brasileira. Isso porque, na avaliação dos especialistas, a medida vai privilegiar os candidatos mais ricos ou que já têm mandato, em detrimento de novas lideranças que não poderão contar com doações de empresas, e tendem a ser discriminados na divisão dos recursos do fundo eleitoral controlado pelas cúpulas partidárias.
Pela resolução do TSE, o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre. Ao mesmo tempo, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a doação de empresas para campanhas. E a minirreforma eleitoral aprovada no ano passado pelo Congresso criou um fundo eleitoral de R$ 2,5 bilhões, que será distribuído de acordo com o interesse das direções partidárias, que tendem a privilegiar políticos com mandato ou candidatos já conhecidos, com alto potencial de voto. O mesmo acontece com o fundo partidário, de R$ 888 milhões.
Partidos como PSOL e REDE, NOVO e PSB entraram com ações no STF contra a liberação do autofinanciamento. As contestações, segundo o professor Eduardo Faria Silva, coordenador da Pós-Graduação em Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo, não devem produzir alterações na norma. O debate no campo jurídico consolida o desenho para 2018. Como é produzida pelo próprio presidente do TSE, a resolução já é para evitar questionamentos jurídicos, aponta.
O especialista concorda que o autofinanciamento vai beneficiar candidatos mais ricos. Vai reafirmar uma tendência que já ocorre de 1988 para cá. Candidatos que tem acesso a recursos tendem a se reafirmar nos cargos. Se pegarmos o que ele gasta, incluindo o autofinanciamento, ele não recebe isso de volta, critica.
O limite total de gastos em campanha aos candidatos do Paraná – Estado que tem entre 4 milhões e 10 milhões de eleitores –, segundo a resolução, é de R$ 9,1 milhões para governador, R$ 3,5 milhões para senador, R$ 2,5 milhões para deputado federal e de R$ 1 milhão para deputado estadual.
Prioridade – Para o jornalista Regis Rieger, da Associação Brasileira de Marketing Político, as mudanças vão diminuir o número de candidatos à Assembleia Legislativa. Os partidos vão priorizar candidaturas para a Câmara Federal e Senado. Quanto mais representantes em Brasília, maior será a fatia do Fundo Partidário. O valor (para estadual) é irrisório. Se é que chega. O brasileiro ainda não tem cultura de participar ativamente das campanhas, não doam. Vão ter que aprender a participar, afirma.
Segundo ele, sem dinheiro, os candidatos a deputados estaduais vão ter que fazer dobradinha. Não vai ter tanto candidato a deputado federal para levar os estaduais. O grande capital nem é financeiro. É político mesmo. Pessoas que nunca foram canditadas a nada não vão sair, não conseguem, sentencia.
O presidente estadual do PT, Doutor Rosinha, critica o autofinanciamento. A resolução do TSE como foi colocada é injusta, previlegia os mais ricos, pondera.

Partidos viram ‘caça-riquinho’

Para o cientista político Emerson Urizzi Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, as novas regras de financiamento de campanhas ampliam a vantegem dos candidatos mais ricos. Em 2014, quando o candidato não podia se autofinanciar totalmente os de patrimônio maior já foram favorecidos. Praticamente um em cada dois milionários conseguiu se eleger (17 deputados federais eleitos e 19 derrotados). Já entre os não milionários a chance de sucesso é de apenas 10%: é um eleito para cada 10 candidatos, aponta.
Isso já foi assim em 2014, quando o patrimônio próprio era limite para autodoações. Imagine agora que não é mais limite e os ricos podem financiar 100% de suas campanhas com o próprio dinheiro, compara.
Dados das declarações dos candidatos compilados pelo grupo de pesquisa Comunicação Política e Opinião Pública da UFPR (CPOP), mostram que em 2014, os milionários eleitos deputados federais no Paraná declararam ter gasto em média R$ 446 mil em suas campanhas. Já os milionários derrotados declararam ter gasto R$ 166 mil em suas próprias campanhas. Em 2014 o candidato podia gastar até 50% do patrimônio próprio na própria campanha. Quem tem mais de R$ 1 milhão, declarou ter gasto 400 mil. Os milionários que gastaram 400 mil próprios têm em média patrimônio de 10 milhões. Esses foram eleitos, diz Cervi.
Para o cientista, a mudança vai favorecer candidatos ricos, e enfraquecer os partidos, que deixam de ser os principais provedores financeiros de seus candidatos. Os partidos se transformam em ‘caça-riquinho’ para se filiar e candidatar-se pelo partido, garantindo assim candidatos com campanhas mais ricas, conclui. O que vai acontecer agora é que eles não poderão declarar mais que R$ 1 milhão, o valor de gastos formal vai cair, porém, eles podem dobrar o total de recursos próprios em relação a 2014, passando de R$ 446 mil para R$ 1 mlhão. E se você olhar os eleitos não milionários veja que eles têm um patrimônio médio de uns R$ 400 mil, declararam despesas totais de R$ 998 mil de média e recursos próprios (utilizados em campanha) de R$ 31,3 mil, mostra.
Quer dizer, os não milionários não têm patrimônio declarado nem de metade do limite do TSE. Isso cria uma distorção de condições iniciais gritante. Quanto isso vai interferir no resultado não dá para saber, mas que os candidatos mais ricos estão com uma avenida aberta para fazer campanha, enquanto que os mais pobres só têm um facão para abrir uma ‘picada’ na mata, ironiza.