SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A baixa qualidade de boa parte da produção jornalística atual tem contribuído mais para minar a credibilidade da imprensa do que fenômenos como a proliferação de notícias falsas nas redes sociais, as chamadas “fake  news”, disse o jornalista Ricardo Boechat nesta terça (20), durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo.
“Outro dia um ouvinte me disse que o problema está nas ‘fuck news’, o monte de merda que os jornais publicam todos os dias”, afirmou Boechat, que é apresentador do “Jornal da Band” e da rádio BandNews e participou de um debate sobre a cobertura das eleições presidenciais deste ano.
Boechat disse discordar dos comentaristas que apontam as notícias falsas como fator decisivo para a eleição do presidente americano Donald  Trump em 2016. Para ele, a vitória de Trump foi reflexo do momento que a sociedade americana vive, e não da manipulação da informação nas redes sociais.
Para Maria Cristina Fernandes, colunista do jornal “Valor Econômico”, a atuação da imprensa americana oferece poucas lições. Mencionando estudos sobre a cobertura da última eleição presidencial, ela contou que os principais jornais dedicaram mais espaço a articulações políticas e trocas de acusações do que às propostas dos candidatos.
Para o professor Thomas Patterson, de Harvard, autor de um dos estudos que ela mencionou, a cobertura dos jornais americanos contribuiu para corroer a confiança do público no jornalismo, no processo eleitoral e no resultado das eleições, além de fortalecer teses conservadoras, ao não esclarecer as diferenças entre os candidatos e disseminar a impressão de que eram iguais.
Maria Cristina propôs que a imprensa “tome partido do eleitor”, detalhando as propostas dos candidatos e questionando-os sobre os desafios que o país enfrenta, além de diversificar a cobertura, estendendo-a a outras regiões do país para que não fique concentrada em São Paulo, Rio e Brasília.
CREDIBILIDADE
Para o colunista da Folha de S.Paulo Joel Pinheiro da Fonseca, políticos e grupos partidários que fazem barulho na internet vão aproveitar o debate sobre as notícias falsas para questionar a credibilidade da imprensa na campanha eleitoral, classificando como “fake news” qualquer notícia desfavorável, ainda que verdadeira.
“Se você pratica o jornalismo com ética e honestidade, tudo bem opinar e tomar partido”, disse Joel. “O perigoso é esse discurso ser usado por blogs e pessoas que estão crescendo na internet sem nenhum compromisso com a honestidade dos fatos.”
Para Boechat, o público está mais interessado na política hoje do que em outras eleições. “A sociedade tomou gosto pela discussão política e está informada sobre mazelas que antes não chegavam ao seu conhecimento”, afirmou, referindo-se às revelações feitas pela Operação Lava Jato desde 2014.
Fonseca observou que o foco em escândalos de corrupção como os que dominaram o noticiário político nos últimos anos alimenta uma “visão muito niilista e cínica” da política e pode contribuir para reduzir a confiança das pessoas nas instituições democráticas.
Mas Boechat discordou. “A esculhambação da política não é culpa das críticas dos jornalistas, mas dos políticos”, afirmou. Classificando as principais lideranças do país como “desqualificadores crônicos”, ele disse que as eleições deste ano oferecem uma oportunidade para corrigir o problema.
Para Maria Cristina, grupos que têm se mobilizado pela renovação da política terão pouca chance de sucesso, por causa das mudanças na legislação eleitoral, que reforçaram o poder dos caciques dos grandes partidos sobre o processo eleitoral. “O próximo presidente terá que lidar com um Congresso controlado por eles, talvez pior do que o atual”, previu.