SILAS MARTÍ NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – No alto de um andaime montado na calçada, dois homens enfrentam a brisa glacial do inverno enquanto pintam nuvens brancas fofinhas na imensidão de um céu azul. Lá de cima, um deles às vezes pergunta aos que passam por essa esquina de Williamsburg, meca dos moderninhos nova-iorquinos, se não querem dar uma pincelada, mas a maioria prefere tirar fotos com o celular ou cruza os braços para ver a “performance”. “É um espetáculo mesmo, um show”, diz Jason Coatney, um dos muralistas. “Ver alguém pintando uma obra de arte a toda velocidade bem na sua frente é muito legal.” É legal, mas não é bem uma obra de arte. No fim daquele dia, só ficou faltando escrever o nome do anunciante -um programa do Comedy Central- e o slogan do canal. Nos últimos anos, os muros desse pedaço do Brooklyn e de alguns dos bairros mais abastados de Manhattan vêm sendo tomados por outdoors pintados à mão numa onda de anúncios artesanais que deu vida nova a uma tradição esquecida pela publicidade.

CULTURA HIPSTER

É uma estratégia que ganhou novo fôlego com a cultura hipster, marcada pelo retorno a estéticas retrô, e o surgimento das redes sociais, em que pedestres compartilham flagras desses murais que se alastram por zonas descoladas de metrópoles como Nova York, Los Angeles, Chicago, Detroit e San Francisco. “Existe um interesse por esses anúncios mais artísticos nesses bairros que concentram pessoas criativas”, afirma Daniel Cohen, professor de publicidade na Universidade de Nova York. “Tem a ver com revisitar o passado, mas, quando marcas fazem isso, também querem vender a qualidade artesanal dos produtos, algo mais elaborado”, diz o professor. Na opinião de Cohen, até mesmo empresas de tecnologia, que não cultivam um visual retrô, vêm usando a estratégia para se livrar da ideia de serem “robôs futuristas”. Quando Paul Lindahl abriu a Colossal Media, a maior empresa do ramo nos Estados Unidos, quase ninguém mais pintava propagandas dessa forma, a não ser em distritos históricos de cidades que não permitiam outdoors comuns. atemporais “Propagandas normais são estéreis, sem identidade”, diz Lindahl. “Então, usamos as mesmas técnicas de um século atrás, mas não porque achamos que isso é só uma moda, mas porque pensamos que as belas obras de arte podem mesmo ser atemporais.” Ou quase. As imagens em escala gigantesca criadas pela firma dele, que tem como QG um velho galpão industrial transformado em escritório modernoso, costumam estampar muros por cerca de um mês. Nas contas de Lindahl, mais de 5.000 murais já foram pintados desde a abertura da empresa, há 15 anos. Mas nada foi repentino. A Colossal, que hoje controla 88 pontos publicitários em Nova York, passou a primeira década engatinhando e só viu o interesse por esse serviço disparar nos últimos anos.

O sucesso da técnica, que antes atraía só marcas associadas a um público mais jovem interessado em bebidas alcoólicas e videogames, acabou entrando para a estratégia de marketing de um espectro mais amplo de empresas e gerou concorrentes que também fazem murais à mão. Firmas como a Seen e a Overall Murals, de Nova York, e agências publicitárias tradicionais passaram a oferecer o serviço e disputam novos clientes, entre eles empresas da moda, como Gucci, Adidas, Nike e Yves Saint Laurent, gigantes da tecnologia, como Spotify, YouTube, Google e Netflix, e até da alimentação, como Coca-Cola. Não demorou e o mundo da arte também aderiu aos murais. A galeria Gagosian, a mais poderosa do mundo, já anuncia suas exposições estampando paredes, inspirando também o MoMA, que mandou cobrir um prédio do Brooklyn com reproduções de telas de Tarsila do Amaral para promover a mostra da modernista agora em cartaz.

EXATIDÃO De longe, esses anúncios nem parecem pinturas. Mesmo usando uma técnica antiga, essa nova geração de muralistas foi treinada para reproduzir com exatidão imagens enviadas pelos clientes. “Gostamos do desafio de replicar essas imagens fotográficas”, diz Coatney, o muralista. “Pode ser qualquer cor, tamanho ou textura em qualquer superfície. A opinião ou estilo de cada pintor não interessa. Esse desafio já é o suficiente para nos deixar bem inspirados no trabalho.” Outro desafio é fazer tudo isso em escala gigante. Alguns murais, que podem custar mais de R$ 500 mil para executar e exigem o trabalho de oito homens, podem ocupar toda a lateral de edifícios de até dez andares de altura. “É difícil pintar a cara de alguém do tamanho de um prédio”, diz Coatney. “Não importa quantas vezes já pintei um desses, sempre vou estar cruzando os dedos para que nada saia errado. Mas, se errar, também não tem problema. Tudo isso é só tinta.”