A curitibana Giovana Madalosso poderia se amparar no seu sobrenome, tradicionalíssimo em Curitiba. Mas ela resolveu escrever seu próprio caminho. Depois de trabalhar como garçonete no famoso restaurante da família, ela foi para Portugal, foi para os Estados Unidos, foi para São Paulo. E escreveu. Fez (e faz ainda) redação publicitária e dramaturgia, além de literatura. Em 2016, lançou um livro de contos, ‘A Teta Racional’, com muitos elogios em redes sociais e boa repercussão –chegou a ser finalista do Prêmio Clarice Lispector, da Biblioteca Nacional. Agora, ela volta à cena literária com seu primeiro romance, ‘Tudo Pode Ser Roubado’.

No livro, a protagonista é uma garçonete de um restaurante na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Nas horas vagas, ela acumula boa parte das suas economias, aproveitando encontros fortuitos nas casas de homens e mulheres para roubar objetos de valor. Até que um desconhecido a aborda no restaurante lhe oferecendo um bom dinheiro para roubar um livro. Não um livro qualquer: a primeira edição de ‘O Guarani’, de 1857. A partir daí, a protagonista mergulha em um estranho submundo.

‘Tudo Pode Ser Roubado’ será lançado em Curitiba pela própria autora hoje, às 19 horas, na Livrarias Curitiba do ParkShopping Barigui. Na ocasião, ela vai participar de um bate-papo com o tradutor e doutor em linguística Caetano Galindo. Giovana deu a seguinte entrevista ao Bem Paraná, na qual fala sobre o livro e sobre a literatura produzida pelas escritoras de atualmente.

Bem Paraná – De onde vieram as ideias para ‘Tudo Pode Ser Roubado’?
Giovana Madalosso – Tudo começou há dez anos, quando eu estava de férias em Lisboa e entrei por acaso num sebo de livros raros. Ali topei com obras de cinco, seis mil euros, e fui informada pelo alfarrabista que ali trabalhava que existiam exemplares de valores muito mais altos, como a primeira edição de ‘Os Lusíadas’, na época, avaliada em cento e cinquenta mil euros. Fiquei impressionada, curiosa para saber quem eram as pessoas que compravam aqueles livros. Oito anos depois, quando buscava uma história para a personagem que eu já tinha, lembrei-me desse episódio e achei que o roubo de um livro raro renderia um bom romance.

BP – Quais foram as influências literárias para ‘Tudo Pode Ser Roubado’?
Giovana Madalosso – Não acho que ‘Tudo Pode Ser Roubado’ tenha alguma influência direta. Poderia citar Os detetives selvagens, do Roberto Bolaño, pela forma como os capítulos de roubo do meu livro se articulam livremente, como se articulam de forma livre e independente os relatos do livro do chileno. Mas essa foi uma correlação que fiz depois, talvez por gostar muito do Bolaño. E, claro, nem ouso comparar a minha obra com a dele, que considero uma das maiores da literatura.

BP – Em seu livro anterior, ‘A Teta Racional’, havia elementos autobiográficos. Quanto de autobiográfico existe em ‘Tudo Pode Ser Roubado’?
Giovana Madalosso – Acho que sempre existe algo de autobiográfico no texto literário. Assim como a narradora de ‘Tudo Pode Ser Roubado’, já fui garçonete, já frequentei muito noite e interagi com figuras curiosas como as do livro. Aliás, foram os meus anos de trabalho no Madalosso e em outros restaurantes da família que me permitiram construir com tanta veracidade essa garçonete narradora.

BP – ‘A Teta Racional’ é uma obra que, de certa forma, foi lançada a partir de uma seleção de livros inscritos no Originais da Grua. O lançamento desse livro abriu portas para ‘Tudo Pode Ser Roubado’?
Giovana Madalosso – Sim, ‘A Teta Racional’ me abriu muitas portas. Primeiro, porque foi um livro bem aceito pelo público, muito comentado, coisa rara para um livro de contos de autor estreante. Segundo, porque foi finalista do Prêmio Clarice Lispector, da Biblioteca Nacional. Tudo isso facilitou a sua publicação, e também a boa recepção pelos leitores e veículos de cultura.

BP – Como foi a produção do romance?
Giovana Madalosso – A produção do romance foi relativamente rápida. Trabalhei em duas fases: escrevi a primeira metade do livro em seis meses, a outra metade, em cinco meses. Ao todo, contando com o intervalo, que também faz parte do processo no sentido de distanciamento, levei um ano e meio. É pouco tempo para um romance.

BP – Você é redatora publicitária e roteirista. Como concilia a profissão com a atividade de escritora?
Giovana Madalosso – Não concilio. Se tentasse fazer isso estaria respondendo para você de dentro de uma camisa de força. A redação publicitária exerço muito pouco, faço um ou outro freela, eventualmente. Também não consigo escrever dramaturgia e literatura ao mesmo tempo. Seriam muitos personagens, um processo esquizofrênico. Então o que eu faço é me dedicar a uma coisa de cada vez. Durante alguns anos, me dediquei à dramaturgia, escrevi algumas séries para a TV e devo voltar a fazer isso. De um tempo para cá, estou focada apenas na literatura. Em geral, é o que me dá mais prazer.

BP – Como roteirista, você imagina que ‘Tudo Pode Ser Roubado’ pode virar filme a curto prazo?
Giovana Madalosso – Sim. É um livro muito imagético e com uma narrativa bem cinematográfica. Isso foi percebido pelos leitores e já recebi algumas propostas para levar o livro para cinema. Mais novidades em breve.

BP – Em tempos de empoderamento feminino, como você avalia a produção literária das escritoras de hoje?
Giovana Madalosso – A literatura contemporânea brasileira, em geral, está vivendo um momento riquíssimo, com uma quantidade enorme de novos autores. E a literatura feita por mulheres, mais ainda. É emocionante ver o que a primavera feminista gerou e está gerando em termos de produção cultural. As mulheres se encorajaram a escrever, a mostrar e a discutir a sua escrita e, ao mesmo tempo, surgiram clubes de leitura voltados para a literatura feita por mulheres, provando que já tínhamos uma produção extensa, apenas carente de divulgação. Produção que, agora, com a maior validação da voz feminina, vai crescer exponencialmente. Recomendo que as pessoas procurem, se interessem por autoras brasileiras. Vale a pena.

BP – Ao contrário do que se imaginava, nem os livros de papel estão em queda, nem os livros digitais estão em alta. Como você avalia o mercado literário em termos de mídias físicas e virtuais? ‘Tudo Pode Ser Roubado’ terá uma versão digital?
Giovana Madalosso – ‘Tudo Pode Ser Roubado’ foi lançado em papel e formato digital. Ainda não tenho números de venda, mas sei que foi bem nos dois formatos. Não arrisco uma opinião sobre o futuro dessas mídias porque não tenho muito domínio sobre o assunto e mesmo quem tem tem tido dificuldade em acertar alguma coisa.

BP – Qual é seu próximo projeto na literatura?
Giovana Madalosso – Meu próximo projeto é um romance em que volto a discutir questões relativas à maternidade, mas de uma forma mais ampla, abarcando não só tensões pessoais, mas também tensões de classe.