SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O palco e os anos são outros, mas a emoção foi semelhante à de 1968, quando o cantor e compositor Geraldo Vandré se apresentou no Festival Internacional da Canção com a música “Para Não Dizer que Não Falei das Flores”. Foi seu último show antes da edição do Ato Institucional nº5 (AI-5) e da posterior ida ao exílio, no Chile.
Nesta quinta-feira (22) em João Pessoa, sua terra natal, de roupa branca e bandeira do Brasil na mão, Vandré, 82, encerrou com sua mais conhecida canção contra a ditadura militar uma ausência de 50 anos dos palcos brasileiros.
Declamou -e cantou- poemas escritos durante e pós exílio, sendo acompanhado de piano, coro e orquestra. A seu pedido, o público foi pequeno, de quase 600 pessoas, em uma das salas do Espaço Cultural José Lins do Rêgo. O show, gratuito, deve se repetir nesta sexta (23).
Na quarta, já havia dado uma amostra ao público. Na fila formada do lado de fora do teatro, os ingressos limitados haviam se esgotado rapidamente. Como protesto, um grupo que não conseguiu bilhetes começou a entoar “Caminhando e cantando e seguindo a canção”. Vandré participava de uma entrevista coletiva quando ouviu o som. Saiu do teatro e juntou-se ao coro.
“Para Não Dizer que Não Falei das Flores” é a mais representativa entre as canções que contam a história do período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil, segundo enquete promovida pela Folha de S. Paulo com 26 artistas e intelectuais em 2014, em memória aos 50 anos do golpe de 1964. A letra marca-se pelo teor revolucionário: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Na entrevista nesta quarta, Vandré disse não ter pretensões de fazer outras apresentações em público, mesmo que fosse pago. “Desde 1968 que praticamente não canto no Brasil, canto aqui porque é a Paraíba” -nas raras aparições, declamou poemas; em 2015, quando participou de um festival de cinema em João Pessoa, não visitava seu estado fazia 20 anos.
“Na mão esquerda trago uma certeza, na mão direita uma garantia. Atenção: às vezes eu troco de mãos”, disse aos jornalistas o cantor, ao ser questionado sobre sua visão do atual cenário político do país.
Vandré voltou a repetir sua “total repugnação” ao termo canção de protesto, como ganhou a pecha “Pra Não Dizer…”. “Canção de protesto nasceu nos Estados Unidos. Protesto é próprio de quem não tem poder e não sabe o que é poder. Quem tem poder exerce”.
Nos últimos anos, ele concedeu poucas entrevistas. Há quatro anos também chegou a subir no palco do show Joan Braz, em São Paulo, mas ficou em silêncio. O compositor diz rejeitar o título de anti-militarista e já afirmou que deixou os palcos porque o país já tinha uma cultura massificada e que não tinha lugar para as suas produções culturais.
VANDRÉ POETA
Vandré mostrou na maior parte do show desta quinta sua faceta poeta. “Disparada”, canção que ganhou repercussão na voz de Jair Rodrigues, não entrou no repertório.
O primeiro momento do show contou com músicas eruditas e instrumentais, além de poemas inéditos, executados ao lado da pianista Beatriz Malnic e do violonista Alquimides Daera.
Os versos remetem ao patriotismo e saudosismo, lembrando os últimos shows antes do exílio. Já no segundo ato, Vandré afastou-se para um canto para ouvir a Orquestra Sinfônica da Paraíba e o Coro Sinfônico da Paraíba, que executaram três de suas canções: “Fabiana”, uma homenagem à Força Aérea Brasileira; “Mensageira”, em lembrança à bandeira da Paraíba; e “Pra não dizer…”.
Nesta última, o público juntou-se à apresentação. O até então ouvinte Vandré fez o mesmo. Pegou o microfone, com a bandeira do Brasil nas mãos e repetiu uma vez mais a canção. Ao fim, muitos aplausos e gritos de “Fora, Temer”.
Para o público, mais velho, foi uma recordação da vida sob o regime militar. “Foi de arrepiar porque nós vivemos aquele período. Estávamos morando em São Paulo e a gente era frequentador de festivais. E ele realmente foi um ícone daquele momento de se revoltar. Eu vivi muito bem na ditadura, mas eu sei que muitos não viveram”, disse o aposentado Veraldo Raimundo de Carvalho, 72.