Antes de tudo, um aviso aos navegantes: estamos na última semana de inscrições para o 5.º Putz – Festival Universitário de Cinema e Vídeo de Curitiba.  Inscrições custam R$10 e podem ser feitas pelo site www.putz.ufpr.br. Vencedores concorrem a uma bolsa integral do Curso de Cinema Digital do Centro Europeu e um curso de edição de vídeo na Omni Informática.

Esta semana Kinoputz conversou com o cineasta Rodrigo Grota, que lançou o curta Satori Uso no ano passado. A obra vem rodando os principais festivais de cinema do país e colhendo prêmios em alguns deles. Atualmente, Grota está finalizando Booker Pitman e prepara Pausa Para a Neblina, que em conjunto com Satori formam a Trilogia do Esquecimento. Na conversa com o Kinoputz, Grota falou sobre sua formação cinéfila, experiências atrás das câmeras, e descreveu a atuação do Kinoarte Instituto de Cinema e Vídeo. Ao final, a convite da coluna, o entrevistado listou livremente cinco filmes mais significativos do momento dele.

Rodrigo Grota vem enfrentado um desafio comum a muitos cineastas paranaenses – como fazer cinema fora do grande eixo. Londrina não tem curso de graduação em audiovisual, mas não falta gente interessada em aprender com os cursos e workshops do Kinoarte Instituto de Cinema e Vídeo. Grota conta que foi para Londrina cursar Jornalismo na Universidade Estadual de Londrina (UEL), mas queria mesmo era fazer cinema.

“Eu morava em Marília, interior de São Paulo. Fazia uma revista sobre cinema, Gucci Filmes. Lá tinha um clube de cinema, um dos mais antigos do país fundado em 1952, um puta acervo numa época em que você não podia baixar filmes nem ler publicações interessantes pela internet. Era o único jeito de você ler algumas coisas diferentes”, conta o cineasta.

Curiosamente, quem despertou seu interesse pelo cinema foi a televisão, quando Grota tinha 15 anos. “Passava no domingo à noite uns clássicos na Bandeirantes. Passou uma versão de Os Miseráveis, obra de Victor Hugo. Preto e branco. Pensei ‘vou ver esse filme’. E vi, e gostei”. A vontade veio cedo, mas o primeiro filme mesmo, Rodrigo estreou em 2004 – Londrina em Três Movimentos.

A obra apresenta a cidade de Londrina sob três perspectivas: o natural, o concreto e o imaginário, com trilha composta pelo músico Arrigo Barnabé, londrinense. “É um filme sobre uma cidade vazia. São três perspectivas de Londrina totalmente vazia, sem nenhum ser humano. É uma visão da cidade um pouco mais amarga, com certo sentido de isolação”. Grota explica que a idéia surgiu em uma madrugada, quando observava o cruzamento das duas ruas principais da cidade – a Higienópolis e a JK.

Sobre o chamado “cinema paranaense” Grota teme ser taxado de chato, mas explica que não vê uma classificação delimitada. “Não sei dizer o que é o cinema paranaense. Se fossem os filmes feitos das formas que moram no estado, não vejo nenhuma característica em comum, são filmes bem diversos, mas acho que o mesmo acontece com o cinema brasileiro.” Para o cineasta, as obras se relacionam não apenas com cineastas brasileiros, mas também artistas de outros países, contemporâneos ou não.

Rodrigo Grota fala sobre sua obra finalizada mais recente, Satori Uso. “A gente tinha essa idéia de que Jim Kleist faria um filme sobre Satori chamado Insolation e a gente estaria encontrando partes desse filme. Tentei fazer várias cenas para ter possibilidades na edição e criar um filme fragmentado”. O filme foi rodado com uma verba de R$ 100 mil. Grota conta que pensou em rodar totalmente em 35mm, mas acabou optando por rodar em HDV e finalizar em película.

“Para todos os festivais que mandei no Brasil, entrou e teve um apoio excepcional em Gramado. Agora a gente está fazendo um segundo filme em HD que já foi captado. Com Satori e Booker, a gente tem dois filmes de uma trilogia, a chamada trilogia do esquecimento que vai culminar num terceiro curta que talvez vá ser feito somente em 2009, chamado Pausa para Neblina, sobre o fotógrafo chamado Haruo Ohara”.

Ficou curioso para ler mais? A entrevista na íntegra você confere no site do PUTZ!

Top Five de Rodrigo Grota (por enquanto)

Scarecrow, 1973, Jerry Schatzberg
No Brasil foi lançado como “O Espantalho”. Um exemplo perfeito do que foi o cinema americano nos anos 70: letárgico, sombrio e visceral. Começa com um puta plano-seqüência em que Gene Hackman (sempre ele!) e Al Pacino se entreolham em uma estrada deserta. Todo o sentimento do filme, a amargura da América, a ausência de futuro para esses dois andarilhos está ali. Rodado em 2.35:1, o filme é repleto de paisagens amplas, desoladoras, com (des)controle de luz perfeito de Vilmos Zsigmond. Os protagonistas são heróis tardios, símbolos de uma América que já não existe: deslocados eternamente, merecem a nossa compaixão do primeiro ao último fotograma.  

Badlands, 1973, Terrence Malick
Talvez não seja exagero dizer que ao lado de Godard e Resnais, Malick seja um dos últimos grandes ainda em atividade. Seu primeiro longa, lançado no Brasil como “Terra de Ninguém”, mostra Martin Sheen impecável como um garoto de 25 anos que a la James Dean rouba uma garota (Sissy Spacek) e toda a América. Novamente, assim como em “Scarecrow”, temos uma visão sombria da cultura americana, sem ilusões e possibilidades de redenção. Kit, o herói tumultuado, é um ídolo entre os policiais, um mito para a juventude que em 1959 descobria que agora “era a sua vez”. O filme já apresenta algumas das características que tornariam a filmografia de Malick algo digno de nota: cenas magistrais de natureza, voz em off da personagem mais frágil e uma música que pontua e amplia as ações dramáticas do filme. Tudo isso dirigido por um rapazinho do Texas que na época das filmagens (sete dois) contava 29 anos: antes do filme ele estudara filosofia em Harvard, abandonara um doutorado em Oxford, e já havia traduzido um livro de Heidegger.

A Woman Under the Influence, 1974, John Cassavetes
Se você quiser levar um soco no estômago no cinema, assista a esse filme. Lançado no Brasil como “Uma Mulher Sob Influência”, este drama protagonizado por Gena Rowlands e Peter Falk é na verdade um tour-de-force em que ninguém é absolvido. Todos os ingredientes do cinema de Cassavetes estão aqui: o uso do plano-seqüência até o seu extremo (a teoria do ten-minutes-take); a exasperação sentimental dos personagens (diálogos ácidos, cortantes); a fotografia semidocumental (em que passagens sem foco, com câmera na mão reforçam a verossimilhança da ação dramática), além de uma profunda e generosa visão do humano. Para Cassavetes não existem heróis nem vilões, e sim, sobreviventes. O papel de Rowlands, por exemplo, talvez o mais complexo em toda a filmografia do nova-iorquino, é de uma profundidade e compaixão implacáveis. Você não sai o mesmo desse filme: prepare-se para uma jornada sentimental sem possibilidade de volta.  

Zerkalo, 1975, Andrei Tarkovsky
O poeta do tempo, daquilo que está para além do tempo, enfim, da alma. Tarkovsky já foi agraciado inúmeras vezes, e considerado o cineasta da metafísica por excelência. Repleta de simbologias, sua filmografia compreende desde o magistral “Andrei Rublev” até o fantasmagórico “Stalker”. O meu predileto, no entanto, é “O Espelho”, filme renegado pelo governo comunista por ser “autobiográfico em demasia” (algo burguês para os russos), mas que possui uma estrutura de montagem única: em todo momento estamos diante de várias instâncias narrativas. Ora é a história de um cineasta em desencontro com sua mãe, ora a trajetória de uma camponesa que espera pelo retorno do marido. Há cenas de guerra, paralelismos temáticos e visuais. A trilha, pontuada por sonoridades eletrônicas e por Bach, eleva o filme para a categoria de radiografia da alma (como em alguns filmes de Dreyer), e não somente uma peça de ficção. Um filme pare rever sempre, pois a cada revisão amortece sua possibilidade de compreensão.

Nick’s Movie, 1980, Win Wenders & Nicholas Ray
Como filmar a morte? Essa talvez não tenha sido a pergunta que Win Wenders fez a si mesmo ao iniciar as filmagens de “Um Filme Para Nick”, mas com certeza é a questão que permanece em nossa mente após assistir a esse fascinante estudo sobre o fim. Nicholas Ray, todos conhecem – é o rebelde que dirigiu “In a Lonely Place”, “On a Dangerous Ground” e “Rebel Without a Cause”, entre outros. Aos 60 anos, já mutilado pelo câncer, Ray topa registrar e encenar conversas com seu amigo alemão. O que se tem, no entanto, é uma narrativa que nunca se revela ficção nem documento. Quase toda fala de Ray é pontuada por uma aspiração pelo fim, por uma consciência da finitude. A todo momento tem-se a impressão de que Ray irá morrer em nossa frente, diante de uma câmera, mas não: ele luta heroicamente, cada vez mais lúcido, com um tom amargo e enérgico, deixando cada pensamento como uma espécie de obra póstuma e instantânea. Dificilmente o cinema irá prestar tributo tão magistral a um homem que engrandeceu e ampliou as possibilidades desse discurso que no momento chamamos de cinematográfico. À exceção da trilha sonora (horrível), tudo nesse filme é eterno, a começar pela profunda admiração a este senhor: Nicholas Ray.