CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – A Justiça de Cabo Verde anulou, na semana passada, o julgamento que condenou três velejadores brasileiros a dez anos de prisão por tráfico internacional de drogas.

A decisão, da última terça-feira (15), reconhece que houve violações à garantia de defesa dos réus e determina a realização de um novo julgamento.

Mas os velejadores, cujo envolvimento no crime foi descartado em inquérito da Polícia Federal brasileira, continuam detidos preventivamente há mais de um ano.

A família faz campanha nas redes sociais para a soltura dos velejadores e critica a demora da Justiça cabo-verdiana.

Entre as controvérsias do processo, estão a sentença impressa em papel com a marca d’água do personagem Zorro, em vez do símbolo oficial do Judiciário (o documento foi corrigido após intervenção dos advogados), e o descarte das conclusões da Polícia Federal brasileira –que o juiz afirmou ser uma “encomenda” da defesa.

“A gente fica indignado, exausto. Estamos seguindo todos os trâmites processuais da Justiça de Cabo Verde, mas não encontramos nenhuma autoridade do país que busque demonstrar imparcialidade”, disse à Folha Alex Coelho Lima, tio de um dos brasileiros.

Os três velejadores –os baianos Daniel Ribeiro Dantas e Rodrigo Lima Dantas e o gaúcho Daniel Guerra– saíram em viagem em julho de 2017, atendendo ao recrutamento de uma companhia de entregas internacionais para conduzir uma embarcação de Salvador até Portugal. 

No casco da embarcação, porém, estava escondida uma tonelada de cocaína, que foi descoberta quando a equipe teve que atracar em Cabo Verde.

Os três brasileiros, assim como o comandante, o francês Olivier Thomas, afirmam que não sabiam da droga. Todos foram inocentados no inquérito da Polícia Federal brasileira.

O dono do veleiro, o inglês George Edward Saul, que os contratou para o serviço, desistiu da viagem na última hora e foi de avião até Portugal. Ele, que foi apontado pela PF como “a ‘ponta’ europeia do grupo criminoso [de tráfico de drogas]”, não é investigado no processo que corre em Cabo Verde.

Na decisão desta semana, entre as questões apontadas pela defesa, o tribunal de Cabo Verde reconheceu que o juiz Antero Lopes Tavares, que condenou os velejadores em março do ano passado, não poderia ter negado o pedido dos réus para ouvir testemunhas.

Os juízes decidiram pela nulidade do despacho e determinaram que as testemunhas sejam ouvidas e, então, um novo julgamento seja realizado.

“Isso é um pingo numa série de outras violações que Cabo Verde vem cometendo na condução desse processo”, diz o advogado Paulo Oliveira, do escritório Eliane Octaviano, que representa dois dos três brasileiros detidos. “Foi um processo conduzido no atropelo, com uma série de estranhezas.”

O advogado irá reforçar o pedido pela soltura dos brasileiros. Daniel Guerra está detido desde agosto de 2017; Rodrigo e Daniel Dantas, desde dezembro de 2017.

Eles estão em celas de 3 metros x 2 metros, com duas camas de concreto, um armário, uma pequena janela e TV. Não há banheiro na cela, e baldes são usados como vaso sanitário, segundo um desenho feito por Rodrigo Dantas e obtido pela Folha de S.Paulo.

As famílias dos três viajaram para Cabo Verde logo depois da prisão e alugaram um apartamento no país para acompanhar o processo de perto. 

Em julho do ano passado, o então presidente Michel Temer pediu ao presidente de Cabo Verde mais atenção ao processo.

A Folha entrou em contato com o atendimento de plantão do Ministério de Relações Exteriores neste domingo (20). A pasta informou que buscaria informações no setor responsável, mas não retornou até a última atualização desta reportagem.