Um caso de maus-tratos ganhou repercussão nacional neste ano. Uma cachorrinha yorkshire, espancada até a morte pela própria dona.  Nunca tive coragem de ver o vídeo postado com as imagens de violência contra o animal. Diariamente, também acompanho no Facebook notícias de animais maltratados resgatados por Ongs. As imagens são terríveis. Me pergunto sempre como o ser humano pode ser capaz de cometer tamanhas atrocidades com quem é tão indefeso.

Para tentar manter alguma esperança que este tipo de crime um dia possa diminuir ou até mesmo acabar, além de mostrar à sociedade que os animais têm seus direitos e eles devem ser respeitados, fui conversar com uma das maiores referências em Direito Ambiental do Brasil. Autora do livro “O Direito & os Animais: Uma abordagem ética, filosófica e normativa” (Ed.Juruá).

Danielle Tetü Rodrigues é Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR (2008), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2002), graduada em Direito pela PUCPR (1993). Advogada e Professora Universitária de Pós-graduação em Direito Socioambiental na PUCPR. Além disto, é membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional do Estado do Paraná. Vice-presidente do Instituto Abolicionista Animal – IAA; filiada a diversas ONGs protetoras dos animais e Conselheira Consultiva da Revista Brasileira de Direito Animal.

– O que prevê a lei de Crimes Ambientais?

Além da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, promulgada em 1981, da Constituição Federal de 1988 e da Lei dos Crimes Ambientais de 1996, temos outras leis específicas que protegem ou tentam proteger os animais. Contudo, foi com o advento da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605 de 12/02/1998) que realmente houve um grande avanço na tutela jurídica dos animais, pois os maus-tratos, que antes eram considerados contravenção penal, passaram a ser considerados crime. O artigo 32 esclarece que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é punível com pena de detenção de três meses a um ano, além da multa”. O parágrafo primeiro informa que incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos; o que nos remete a Lei 6.638/1979 referente à prática didático-científica da vivissecção de animais. O parágrafo segundo aumenta a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) nos casos em que ocorrer a morte do animal. Portanto, ainda que não seja o ideal, essa lei ajudou a coibir os maus-tratos em larga escala.

– Por que apesar da lei o direito dos animais é ainda desrespeitado?

O direito dos animais é desrespeitado porque predomina o pensamento e a visão antropocêntrica, em que os animais são equiparados a coisas ou a bens semoventes e, portanto, existem somente para servir ao homem. Além disto, a lei remete o infrator aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, onda a penalidade se traduz no pagamento de cestas básicas ou de serviço à comunidade.

Qual a importância dos abaixo-assinados que pedem maior punição de quem maltrata os animais?

Os abaixo-assinados normalmente são importantes para demonstrar o posicionamento da sociedade perante determinada situação. No caso da proteção dos animais, os abaixo-assinados também se mostram como fortes aliados na divulgação do fato ocorrido e na união de esforços em favor da Justiça, vez que servem, também, como documentos que instruem as ações judiciais.

– Só a mudança na lei seria suficiente? O que seria necessário para que os animais tivessem mais proteção?

Não. Ao meu ver, além de se ater às questões legais e a importância de revermos o pensamento, a ideologia e o trabalho de todos os operadores do Direito para que ocorra uma interpretação e aplicação das leis de forma prospectiva, evolutiva, respaldando os interesses de todos os seres vivos, é imprescindível priorizar a Educação Ambiental. Esta é, sem dúvida, uma ferramenta muito importante para a conscientização de que os animais são seres sencientes, dotados de sentimentos e sensações, como medo, frio, fome, sono e outras sensações similares às dos humanos e merecem ser protegidos física e psiquicamente.

– A ideia de uma delegacia especializada neste tipo de crime seria importante?

Seria ótimo ter uma delegacia especializada, mesmo porque os animais seriam amparados adequadamente e a sociedade ficaria ciente de que os animais não-humanos também são tutelados; que existem leis que os protegem, que devem ser cumpridas, exigidas, fiscalizadas e impõem uma real punição aos seus infratores.

– Geralmente, as pessoas têm medo de denunciar, se expôr…

Exato. A maioria evita denunciar os maus-tratos aos animais e geralmente se justifica pelo medo em revelar os dados pessoais ou, então, se prende à falta de provas. Mas sabemos perfeitamente que querer é poder; portanto bastaria solicitar a não divulgação dos dados pessoais e o trabalho individual na procura por provas que informem o crime. Em outras palavras, é notória a falta de comprometimento da maioria das pessoas com a proteção dos animais.

– Os animais silvestres são melhor resguardados na questão de fiscalização e até mesmo tratamento?

É diferente. Os silvestres encontram-se em outra categoria do Direito, de modo que o Poder Público tem uma participação mais acentuada e se torna mais visível para as pessoas. Mas na realidade, a Constituição Federal de 1988 protege toda a fauna, independentemente de serem silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

– Como outros estados ou até mesmo países lidam com esta questão?

Existem países que já alteraram o Código Civil e elencaram os animais não-humanos como sujeitos de direito. Isto acompanha um raciocínio mais avançado e apropriado, de modo que a proteção acaba sendo diferenciada. Como exemplo disto, temos o Código da Alemanha, da Áustria e da Suíça. Mas, independente da alteração dos dispositivos legais, há cidades que possuem políticas públicas específicas e que protegem os animais de forma eficaz. Como exemplo, a cidade argentina Almirante Brown, que conseguiu realizar o controle populacional de animais num prazo de 10 anos e, atualmente, a prefeitura precisa realizar a castração de apenas 10% dos animais para manter este controle, além de ter os registros de todos os responsáveis por cada cachorro e gato existente na cidade.

– Como proceder para fazer uma denúncia?

Para denunciar, qualquer pessoa que testemunhar atentados contra animais pode comparecer a delegacia mais próxima do local ou a Delegacia do Meio Ambiente e lavrar um Termo Circunstanciado, espécie de Boletim de Ocorrência (BO), citando o artigo 32 (‘Praticar ato de abuso e maus-tratos a animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos ‘), da Lei de Crimes Ambientais, nº. 9.605/98. Caso haja recusa do delegado, basta citar o artigo 319 do Código Penal, que prevê crime de prevaricação: ‘receber notícia de crime e recusar-se a cumpri-la’. Se houver demora ou omissão, ainda é possível contatar o Ministério Publico estadual. Pode-se enviar carta registrada descrevendo a situação do animal, o distrito policial e o nome do delegado que atendeu o denunciante. Também é admissível enviar fax ou e-mail, ou ir pessoalmente ao MP, sem que haja a necessidade de ser acompanhado por advogado.

Aqui, em Curitiba, é possível realizar a denúncia de maus-tratos contra animais na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente | DPMA , que fica na Rua Erasto Gaertner, 1261 – Bacacheri, em frente à Base Aérea de Curitiba. Tel. (41) 3356-7047, [email protected]. Também tem o Batalhão da Polícia Ambiental do Paraná – Força Verde, que atende pelo telefone 0800 643 0304.

– Do que trata o livro de sua autoria O Direito & os Animais?

Meu livro é fruto de minha dissertação de Mestrado e da minha tese de Doutorado. Mas, mais do que isto, é fruto de meu ideal como ser vivo. Com ele pude gritar ao mundo jurídico e a todos que querem ouvir a minha indignação com o tratamento oferecido aos animais, bem como minha satisfação com o avanço que o Direito dos Animais ganhou no Brasil e no exterior. É uma obra que pode ser lida por qualquer pessoa, independente de ser afeto à área do Direito. Espero que gostem da leitura e que possa contribuir para com a proteção destes maravilhosos seres indefesos contra a louca tirania do homem