Conto hoje com mais uma participação especial. Reproduzo o texto de autoria do jornalista Mario Akira publicado em 15 de julho de 2003, no Jornal do Estado. A matéria poderia ter sido escrita hoje. Quase dez anos depois, continua atual. Os cavalos permanecem puxando carroças e atravessando a cidade.   

Acidente no centro da cidade entre égua e um automóvel expôs o conflito entre motoristas e carrinheiros em Curitiba

Estrela atravessava em disparada o cruzamento das ruas Barão de Antonina com a Heitor S. De França, na Praça Khalil Gibran Khalil, próximo ao Passeio Público quando foi atingida por uma Saveiro que estava parada no cruzamento e arrancou sem perceber Estrela. Ela teve as duas pernas fraturadas e ficou estendida no asfalto, agonizando, olhando o vazio sem entender o que estava acontecendo. Com idade estimada entre oito e dez anos, ela foi mais uma vítima do trânsito de Curitiba.

Não se trata, óbvio, de uma pessoa. Estrela é uma égua, e seu trabalho era puxar pelas ruas da cidade uma carroça de catadores de papel. Os condutores eram dois adolescentes de 17 e 15 anos que pouco conhecem das leis de trânsito mas, que junto com a égua, fazem este trabalho nos últimos 15 ou 18 meses. Trabalho que rende cerca de R$ 80 por mês. Nestas horas nada é certo. Apenas que a disputa entre carros e carrinheiros nas ruas centrais ganhou um novo capítulo.

O acidente, ocorrido por volta das 14h20, parou o trânsito na região. Estrela foi desatrelada da guia, mas ninguém conseguiu arrastá-lo do meio da pista. Inerte, aguardou até que o socorro chegasse. Uma equipe de veterinários do Passeio Público correu para socorrer a égua. Aplicaram-lhe injeções de tranqüilizantes para amenizar o sofrimento e acionaram o Canil Municipal para fazer a remoção do animal. A pista só foi totalmente liberada por volta das 15h30.

Não é de hoje que a presença de animais de tração nas ruas da cidade é discutida em Curitiba.

Pelo menos dois projetos tramitam na Câmara de Vereadores para disciplinar o trânsito envolvendo carrinheiros. Uma das propostas determina a existência de condições mínimas de segurança que deveriam ser fiscalizadas. A outra trata da proibição de presença de carrinheiros no anel central.

Mas o problema envolvendo animais de tração está longe de ter uma solução. Só para começar, até o momento o número de animais de porte de Estrela nas ruas da cidade é desconhecido.

Acidentes — Um levantamento do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) aponta que em 2003 aconteceram 49 acidentes nas ruas da cidade envolvendo carrinheiros ou carroças com veículos, com saldo de 19 feridos.

No acidente de ontem, o motorista da Saveiro contou que a carroça cortou a sua frente no momento em que arrancou no sinal verde, e não foi ele quem atingiu a égua, mas ela que veio sobre a lateral do veículo. “Não deu tempo nem de engatar a segunda marcha”, disse, transtornado. Ele pediu para não ter o nome revelado. Já o adolescente que conduzia a carroça disse que o sinal estava verde para ele. “Estou o dia todo na rua, não me descuido”, se defendeu.

Independente de quem foi o culpado pela colisão — talvez as duas partes — o certo é que o maior mal aconteceu para Estrela. “Em casos de fratura, normalmente não tem jeito”, disse a veterinária que prestou os primeiros cuidados à égua. É bem possível que Estrela tenha que ser sacrificada.

 Por Mario Akira