por José Antonio Pedriali

O doutor Friederike Range, da Universidade de Viena, e colegas acabam de concluir, após uma extenuante pesquisa, que os animais têm ciúmes de nós, humanos ou humanóides, conforme as circunstâncias (as atuais estão nos aproximando mais da segunda classificação).

Eu já sabia disso – e muitos leitores também – e perdi a chance de patentear a descoberta, à qual denominaria “Síndrome de Florisberto”.

Não fiz pesquisa nenhuma. Apenas observei os animais.

Meu cão, Bibo, da raça “paulistinha” (Fox) igualzinho a este da foto, é mais ciumento que noiva em véspera das núpcias. Não pode me ver ao lado de meus filhos para se meter entre nós, impaciente, e, uma vez conquistado o espaço, se põe a latir e ameaçar as crianças com os dentes arreganhados.

E meu saudoso pai Humberto – que partiu há exatos seis anos, completados hoje – possuía um papagaio, o Florisberto. Foi Florisberto quem nos ensinou que os animais – e ave por acaso não é animal? – têm uma capacidade infinita de se apegar ao dono e, conseqüentemente, ter por ele ciúme em igual proporção.

O louro tinha esse nome independentemente do sexo, que jamais descobrimos qual era. Desculpem-me a brincadeira, mas gay ele não deveria ser, e se fosse disfarçava muitíssimo bem: nunca o vimos desmunhecar!

Entre outras manifestações de apego incondicional ao dono, Florisberto se recolhia com ele para a sesta, instituição sagrada para meu pai. E se deitava sobre o peito cabeludo de meu pai, que dormia com os braços abertos – e o papagaio abria as asas, barriga para cima.

Não nos contínhamos – como era possível perder uma cena como essa? – e entreabríamos a porta para bisbilhotar o interior do quarto. Meu pai protestava, e tinha razão, pois perturbávamos sua soneca sagrada.

Florisberto, ao ver ameaçado aquele momento solene de privacidade e inocente intimidade com meu pai, revirava-se num pulo e levantava vôo para expulsar os intrusos, bico em riste, olhar assassino.

Vinha em nossa direção como um míssil de última geração!

De tanto se repetir a cena, meu pai resolveu dedicar-se à sesta solitariamente, mas a avezinha não se conformou: deixava o poleiro, que ficava na área de serviço, saltitava pelo corredor externo da casa, fazia escala sobre o muro e pousava no parapeito da janela, iniciando uma seqüência de bicadas entremeadas com a evocação, naquele falsete de taquara-rachada, ao “papai berto, papai berto, currrrurupaco… papai berto”.

Duas ou três vezes bastaram para que meu pai cedesse. O louro tinha que fazer a sesta com ele, e ponto final.

Desde então, os deixamos em paz para que dormissem a sós.

Isso durou até que meu pai se mudou para Rondônia, numa de suas tantas idas em busca de aventura, que sempre encontrou, e de uma prosperidade que jamais surgiu em seus erráticos caminhos.

Não pôde levar o Florisberto, que, por absoluta incompatibilidade com os demais habitantes daquela casa – atacava-nos todos, sem exceção, por ciúme de meu pai, primeiro, depois por raiva por termos deixado que ele partisse – foi deixado com uma vizinha que dava acolhida a dois papagaios.

Achávamos que, na ausência de meu pai, Florisberto encontraria em seus iguais o consolo da perda de um ente querido e a companhia que tanto desejou.

Erramos.

Ele morreu poucas semanas depois.

De tristeza.

Se os animais têm ciúmes de nós, é porque nos amam. Apaixonadamente. E não admitem nos perder.

 

Crônica de José Antonio Pedriali (dezembro de 2008)